sábado, fevereiro 28, 2009

Vital, de parabéns.

Vital Moreira é o cabeça de lista do PS às eleições europeias. Parabéns. O blogger da Causa Nossa, é um militante neo, do PS. Antes, até á queda do muro de Berlim, tinha sido um militante hard, do núcleo central do estalinismo comunista. É ainda um jacobino às direitas, herdeiro dilecto de Afonso Costa. Por vezes, poucas mas identificadas, perde a noção de respeito e produz aquelas faenas de má índole ( caso PauloP. e um ou outro mais, no blog).

Tudo isso é Vital Moreira. Mas é um pouco mais: considero-o uma pessoa com seriedade um pouco acima desta rasquice que é apanágio do PS de Sócrates. Embora o defenda de modo canino, por um puro reflexo de sobrevivência política na ribalta, tem o bestunto suficiente para divergir e a independência necessária para não embarcar em todas as aventuras. Nessas alturas periclitantes, cala-se. Sendo de outra laia, adere a essa laia de baixa extracção, o que o desmerece e autoriza que lhe malhem.

Vai para o Parlamento Europeu, onde poderá fazer uma figura distinta, como teórico de constituições e sistemas políticos. Nisso, é um indivíduo respeitável. Daí os parabéns, sem qualquer rancune ou cinismo.

PS. Mas...afinal as comemorações jacobinas e maçónicas da implantação da República, no ano que vem e que tinham em Vital Moreira a cabeça octópode vão ficar órfãs?

Laborinho Lúcio-comentários

A entrevista de Laborinho Lúcio, no Público de hoje, reflecte toda a idiossincrasia da personagem. Laborinho Lúcio é uma das figuras-chave do nosso sistema jurídico actual.
Foi responsável por uma escola de magistratura inspirada na francesa, mas a que ele mesmo, com a sua personalidade própria, soube dar identidade e relevo insofismável. Nos anos oitenta, quando tinha os seus quarentas e já uma larga experiência de magistrado ( como juiz e do MP), vindo do antigo Estatuto Judiciário e com um pé firme nas ideias iluministas do 25 de Abril, Laborinho colaborou na arquitectura do sistema.

Laborinho, nos anos oitenta, até chegar ao Governo de Cavaco, para ministro da Justiça, pela mão de Fernando Nogueira ( que o convidou na base da notoriedade do então director do CEJ), orientou o CEJ, onde formou centenas de magistrados e lhes imprimiu um ideário de tolerância e liberdade, associadas a uma experiência de dúvidas. Laborinho não é um duro da acção penal. Leu muito, reteve mais e transmite um discurso de sedução pela palavra e tom.
Conheço muito poucos magistrados que tendo-o conhecido, não tenham uma boa impressão do mesmo. Conto-me nesse número, também, apreciando o estilo. Que é o Homem, como se costuma dizer.
O conteúdo do discurso, para além do estilo, por vezes, deixa algo a desejar, porque promete e não está à altura da promessa .

Assim:

1. Sobre a distinção entre corrupção para acto lícito e ilícito, Laborinho diz o que é possível dizer: que a lei distingue porque a gravidade não é idêntica e a prática deste tipo de ilícitos é tão vulgar e comum que não seria desejável confundir tudo e punir com gravidade . Porém, di-lo até ao ponto em que os entrevistadores lhe dizem: "então, como vamos vencer esta criminalidade ( a do corruptor activo para um acto legalmente admissível)?
Laborinho responde assim:
"Perante este caso concreto, gostaria que a nossa lei tivesse uma previsão mais alargada no ponto de vista da punição da corrupção, justamente pelo tipo de valores que estão envolvidos e pela iniciativa do próprio, ao que parece, em promover a corrupção."

Este é o típico exemplo do discurso de Laborinho: perante a verificação de uma dissonância lógica e que causa alarme comum, diverge no discurso, admitindo a diferenciação, sem compromisso. É uma atitude diplomática, política e de situação.

O exemplo paradigmático da dúvida permanente de Laborinho, pode ler-se nesta passagem:

Há umas teorias que dizem que o direito não tem de repor nenhuma moral, tem é de repor as normas e estas é que são essenciais para haver validade nelas e por isso é que as pessoas devem ser punidas.

Este relativismo, vindo de leituras e confusões, centram-se em noções literárias, com relevo para Camus. As dúvidas humanistas de Laborinho, permitem um discurso interessante, porque maleável e susceptível de alteração e adequação , no quadro sinóptico de referências fundamentais, como a liberdade. Laborinho definiu-se em tempos ( numa entrevista ao Expresso, no tempo em que foi ministro) como adepto da democracia do centro social-democrata. Portanto, com latitude ideológica suficiente, para admitir pertença a diversos partidos em Portugal.

Sobre o caso Freeport, Laborinho refere o fundamental:

Penso que o caso Freeport, como é conhecido, coloca-nos três questões fundamentais, todas elas distintas mas essenciais para compreendermos o funcionamento de tudo isto. A questão mais fundamental de todas é a da investigação, a descoberta da verdade para chegar a uma conclusão. Interessa saber se houve infracção ou não e no caso de ter havido quem foi que a cometeu e qual o tipo das infracções cometidas. Esse é o objectivo da investigação criminal que está a decorrer. Segunda questão, a que cria a expectativa de saber o que terá acontecido ao processo durante quatro anos. Não vou perguntar porque esteve parado porque não sei se esteve, mas perante a opinião pública há uma interrogação: o que aconteceu nesses quatro anos. E do ponto de vista dos direitos de cidadania e da transparência do funcionamento do sistema, isso tem de ser esclarecido. Tem de haver informação no sentido de dizer o que aconteceu durante a investigação.

O que Laborinho não refere, porque não lhe interessará muito, é entrar nos aspectos fundamentais dos métodos de investigação em casos destes. Como é que o MP funciona e interage com a PJ e como é que se desenrolam, na prática, estas investigações. Mas ao dizer que tem de haver informação sobre o que aconteceu durante a investigação, permite que se entenda ter dúvidas sobre o que aconteceu. E essas dúvidas são apenas de uma natureza: saber se o MP e a PJ foram e são independentes do poder político executivo, ao ponto de não terem qualquer entrave, mesmo de ordem subjectiva e psicológica, na investigação, porque é esse o aspecto essencial.

Depois, Laborinho fala na comunicação entre quem decide nos tribunais, essas decisões e a opinião pública e publicada que não as entende. Para dizer que há uma tríplice dimensão nessa relação, relevando a de dentro para fora ( dos tribunais para os cidadãos), como uma obrigação de explicação em linguagem acessível do teor da decisão. E também releva o aspecto da comunicação pelos media. Não disse, mas devia dizer que há um défice acentuado de formação dos jornalistas e que não lhes permite entenderem o discurso jurídico, mesmo descodificado, por carência de formação cultural. Isto é preciso dizer-se porque é um dos problemas fundamentais do jornalismo actual.

Fala depois no Estatuto do MP e o perigo de perda de autonomia, com a correlativa funcionalização de magistrados, por escolha directa do PGR.
As críticas de Laborinho acompanham as do Sindicato do MP e são pertinentes. No entanto, são insuficientes por um motivo: o que está, atribuindo ao DCIAP e DIAP, determinado tipo de processos, com base em classificações legais, não resolve a questão essencial: como se podem fazer determinadas investigações quando os responsáveis por esses departamentos, são pessoas que podem não ter as características necessárias e essenciais de isenção e imparcialidade?
O problema é idêntico e deste modo é que nunca fica resolvido, porque a verdadeira autonomia e independência são apanágio de cada pessoa que não só a têm como interiorizadas, mas também a manifestam como princípio essencial.
E não é isso que acontece, actualmente.

Laborinho Lúcio- entrevista ao Público

Fica aqui a entrevista de Laborinho Lúcio ao Público de hoje ( e à RR e RTP2). Para já fica o texto. Os comentários virão a seguir, porque a entrevista, extensa mas sobre poucos temas, merece alguns.


PÚBLICO/RR - Esta semana soubemos da sentença do processo Bragaparques em que há um réu acusado de tentativa de suborno de cerca de 200 mil euros e que foi condenado com uma multa de cinco mil euros. É mais um exemplo a juntar à ideia de que a justiça não funciona ou funciona mal...

Laborinho Lúcio - Antes de focar não necessariamente o processo Bragaparques, porque não posso falar especificamente do conteúdo dos processos, tenho todo o gosto em esclarecer o que pode estar por trás, do ponto de vista do enquadramento legal e teórico, que leva a uma decisão desta natureza e o modo como temos prevista no código penal, a criminalidade económica geral e, sobretudo, a corrupção.
Não posso dizer se a decisão foi correcta ou incorrecta do ponto de vista técnico. Tenho a percepção, por aquilo que conheço que, do ponto de vista técnico é uma decisão correcta, agora vamos saber quais são os suportes legais que determinam uma decisão desta natureza. E aqui, temos de assentar em dois pontos fundamentais para se compreender o que vamos dizer. Em primeiro lugar, a nossa lei, bem ou mal, faz uma distinção clara entre corrupção para a prática de acto lícito e corrupção para a prática de acto ilícito. Neste caso, o que o tribunal terá dado como provado foi a corrupção para a prática de acto lícito e não consumada. Apenas de uma forma tentada. Isto conduz, desde logo, a duas primeiras conclusões: a corrupção para a prática de acto lícito é punida muito menos severamente do que a corrupção para a prática de acto ilícito e a tentativa de um crime conduz sempre a uma pena muito mais baixa do que a que seria aplicada se o crime fosse consumado. Juntando estas duas previsões, a sentença vem ser aparentemente desproporcionada. Vamos reconsiderar a questão e colocá-la no espírito do legislador que faz esta lei.
Em primeiro lugar, saber se deve haver distinção entre corrupção para a prática de acto lícito e para a prática de acto ilícito. Ouvi que a procuradora Maria José Morgado terá dito que era um disparate esta distinção...

P- E é ou não?

LL-Disparate acho que não. Pela simples razão de que acho que é uma distinção correcta. Mas pode discutir-se.

P-Para efeitos práticos...

LL-Para efeitos práticos. Normalmente a corrupção para a prática de acto lícito é aquilo que, infelizmente, não pode deixar de ser feito, em muitas circunstâncias, por muitos dos cidadãos portugueses. Aquele cidadão que tem um projecto para ser aprovado com urgência, o projecto é legal e do outro lado tem um funcionário que vai criar dificuldades na aprovação até chegar ao ponto em que lhe dá a entender que só pagando alguma coisa é que o aprova. E ele pensa que não tem outra alternativa, senão fazer isso. Isto infelizmente é o que entendemos ser o cerne de muita da corrupção, da mais pequena... mas apesar de tudo, de uma corrupção insidiosa, que marca um estigma, que marca uma atitude perante a ética dos serviços públicos. Este é o cidadão que faz corrupção para a prática de acto lícito. E que não faz sentido que seja menos penalizado.

P-Mas se queremos acabar com essa prática, não devíamos acabar com a distinção?

LL-Na minha perspectiva, obviamente que não por várias razões. Em primeiro lugar, porque temos sempre de medir as penas em função do verdadeiro juízo de censura que se deve exigir a um cidadão. Não tenho nenhuma dúvida de que se chegar a uma repartição pública e disser: “passe-me uma certidão comprovativa de que sou licenciado em direito”. E funcionário me disser: “Está bem, mas venha cá daqui a um mês”. E eu preciso de juntar aquela certidão a um concurso cujo prazo termina daqui a 15 dias, vou insistir e voltar a insistir, queixo-me... e a certa altura, dizem-me: Dê-me xis euros e eu dou-lhe isso. A pessoa paga-lhe e comete um crime. Um crime para a prática de acto lícito. Isto é completamente diferente do que se eu chegasse à repartição e dissesse: “eu não sou licenciado em direito, mas passe-me uma certidão a dizer que sou”. Isto é radicalmente diferente do ponto de vista do juízo de censura.

P-Sendo assim como conseguimos vencer esta criminalidade?

LL-Quem tem de vencer esta criminalidade é o Estado, não o cidadão concreto. Não é a este que se tem de pedir que não tenha projectos aprovados, que não faça a sua vida, queixe-se, embora não tenha nenhuns elementos de prova e veja a sua queixa cair por falta de fundamento... não podemos fazer isto. Estamos numa área altamente complexa e não podemos vazar para cima destes problemas, um discurso moralista em que entendemos que há um desvio ético e temos é de rompê-lo.
Perante este caso concreto, gostaria que a nossa lei tivesse uma previsão mais alargada no ponto de vista da punição da corrupção, justamente pelo tipo de valores que estão envolvidos e pela iniciativa do próprio, ao que parece, em promover a corrupção.
Uma questão é a explicação da lei, tal como existe. Outra, é a questão de saber se ela deve ou não ser alterada, não necessariamente por forma a aumentar a pena, mas para permitir que dentro da própria moldura, possamos estabelecer distinções que permitam regular a pena até um limite mais alto do que aquele que existe actualmente.

P-A mudança também passa pela prevenção

LL-Essa é outra questão. Nós não podemos misturar as questões, senão temos um discurso de ruído à volta dela. Chocar-me-ía do ponto de vista da punição ética, cuja dimensão nos permite agir eticamente. Há umas teorias que dizem que o direito não tem de repor nenhuma moral, tem é de repor as normas e estas é que são essenciais para haver validade nelas e por isso é que as pessoas devem ser punidas. Eu entendo que há uma corrupção para a prática de acto lícito que tem de continuar a permitir penas leves porque há circunstâncias em que o desvalor dessa conduta é mínimo. Agora ele vai aumentando em função das circunstâncias e aí podemos encontrar uma margem de abertura para a previsão punitiva.

P-Temos um outro processo, o caso Freeport em que mais uma vez a distinção entre acto lícito e ilícito, no caso de se vir a comprovar que houve corrupção, pode ter duas saídas totalmente diferentes. No caso de ser para acto lícito, podemos estar perante um caso de prescrição. Se acontecer uma coisa destas, não é um golpe enorme na justiça?

LL-Pode ser, mas é preciso saber porquê. Não podemos olhar os efeitos e descurar as causas, senão nunca mais encontramos solução para os problemas. Os efeitos são um sintoma e temos de ir às causas, porventura mais do que às culpas.

P-E as causas são o atraso?

LL-Não necessariamente. Penso que o caso Freeport, como é conhecido, coloca-nos três questões fundamentais, todas elas distintas mas essenciais para compreendermos o funcionamento de tudo isto. A questão mais fundamental de todas é a da investigação, a descoberta da verdade para chegar a uma conclusão. Interessa saber se houve infracção ou não e no caso de ter havido quem foi que a cometeu e qual o tipo das infracções cometidas. Esse é o objectivo da investigação criminal que está a decorrer. Segunda questão, a que cria a expectativa de saber o que terá acontecido ao processo durante quatro anos. Não vou perguntar porque esteve parado porque não sei se esteve, mas perante a opinião pública há uma interrogação: o que aconteceu nesses quatro anos. E do ponto de vista dos direitos de cidadania e da transparência do funcionamento do sistema, isso tem de ser esclarecido. Tem de haver informação no sentido de dizer o que aconteceu durante a investigação.

P-E quem esclarece?

LL-Terá de ser titular do processo, o Ministério Público. O problema é saber qual é o momento oportuno de o fazer, visto que fazê-lo mais tarde ou mais cedo pode contender com aquilo que ainda é salvável do segredo de justiça. E esta é a terceira questão: as sucessivas violações do segredo de justiça. O caso Freeport tem estas três dimensões essenciais e nós temos de as conhecer. Agora se no limite, viéssemos a considerar que havia prescrição do procedimento criminal, é importante termos a noção de que isso não resulta necessariamente do facto de haver eventualmente tentativa de corrupção para prática de acto lícito, resulta do facto do processo ter demorado mais tempo do que devia, para chegar à conclusão final.

P-Está de acordo com a proposta do advogado João Correia, do Conselho Superior do Ministério Público para avançar com uma investigação à forma como foi investigado o processo Freeport?

LL-Estou claramente de acordo. Não sei se é necessário fazer uma investigação à investigação, o que é importante é saber o que aconteceu com a investigação. Pode haver uma informação de dentro da investigação e ser suficiente ou entender-se que pode haver razões que justifiquem alguma circunstância negativa do funcionamento da investigação e, nessa altura, tem mesmo de fazer-se a investigação para apurar responsabilidades se for caso disso. Mas gostaria de me colocar, não numa posição de desconfiança crítica e marcada por juízos éticos relativamente ao que aconteceu à investigação, mas na posição dos cidadãos que confiam nas suas instituições, admitindo que possam funcionar mal e esperar que me expliquem, como cidadão, o que aconteceu. Mas isso, acho que é fundamental para a credibilização do Ministério Público e para o estabelecimento de uma relação de confiança entre os cidadãos e as suas instituições.


P-Concorda com a ideia do procurador-geral da República sobre a utilidade do levantamento do segredo de justiça neste caso, para acabar com as fugas de informação e com as informações falsas?

LL-Não sei, não conheço o processo. Não posso dizer que é o momento de abrir, não faço ideia nenhuma do que se passa no processo, a não ser pelas fugas de informação que fazem com que todos nós conheçamos peças processuais que não conheceríamos se não tivessem existido fugas. A questão das fugas de informação é de uma grande complexidade. E é uma matéria que tem sido tratada do ponto de vista legislativo de uma forma incoerente. Na revisão constitucional de 1997, praticamente sem se dar por isso, constitucionalizou-se o segredo de justiça. Pessoalmente não concordo com a constitucionalização do segredo de justiça.

P-Os jornalistas devem ou não estar vinculados ao segredo de justiça?

LL-A última previsão parece-me adequada. A de que estão vinculados se a violação do segredo de justiça puser em causa a investigação criminal. Mas quando falamos de crise de justiça é bom não nos deixarmos atropelar pelas nossas próprias racionalidades. É importante termos a consciência de que estamos a falar de várias crises e de situações na justiça onde a crise não se manifesta. Seria pouco seguro deixar proliferar a ideia de que a justiça é um todo que está em crise inultrapassável. Não é assim, há muitas situações em que a justiça, em Portugal, funciona bem e depressa.

P-Não é essa a percepção dos cidadãos...

LL-É importante saber como é que essa percepção é construída. Tenho muito a ideia de que o número de processos que, em julgamento na primeira instância demoram mais de cinco anos a ser julgados, é inferior a cinco por cento dos processos entrados nos nossos tribunais. Cinco por cento corresponde a cerca de cem mil pessoas envolvidas nesses processos, considerando que há normalmente duas pessoas em cada processo. E cem mil pessoas é muita gente e é necessário estarmos preocupados com isso.
Por outro lado, temos um conjunto vastíssimo de processos que têm uma dimensão mediática evidente e relativamente aos quais acontecem entropias claras do mau funcionamento do sistema de justiça. Quer pelo seu enquadramento legislativo, quer pelo modo como ele, em concreto é exercido, nomeadamente por questões que têm que ver com os meios, como o modo como a lei é praticada, com as próprias garantias processuais que temos de avaliar de forma inequívoca e abordá-la como questão de cidadania, saber até que ponto é que queremos colocar a tónica mais do lado da eficácia e saber até que ponto isto nos pode levar a reduzir garantias que temos considerado essenciais num estado de direito...

P-Olhar um bocadinho mais para as vítimas...

LL-Não necessariamente, essa é outra questão. Não podemos perder uma matriz essencial que é a matriz do Estado de Direito democrático e a conquista civilizacional. Em matéria de Estado de Direito, a eficácia do sistema é um valor e essa é a questão que está em cima da mesa.
O que acho que falta ao nosso sistema de justiça é um órgão que tenha uma visão estratégica para a justiça. O que se poderia designar um conselho de Estado para a Justiça, com magistrados, advogados, o ministro da Justiça, personalidades indicadas pela Assembleia da República, o Presidente da República e que assumisse uma dimensão estratégica de intervenção na justiça.

P-O que é que mudou em termos da representação simbólica da justiça em relação, por exemplo, aos tempos em que andou pelos tribunais?

LL-Há desde logo uma mudança estrutural e estruturante do pensamento presente e do pensamento futuro: Uma relação crítica aberta entre o cidadão e a justiça. As questões da justiça hoje estão no espaço público, em muitas aspectos sem que haja um verdadeiro rigor na apreciação das circunstâncias que são avaliadas...

P-É resultado da mediatização?

LL-É resultado da mediatização ma também do direito que o cidadão foi progressivamente sentindo de poder ele próprio ter uma intervenção crítica relativamente às coisas da justiça. E isso coloca uma questão que também não está resolvida que é a questão da comunicação. Há quatro dimensões na comunicação da justiça que é necessário pôr sobre a mesa e sobre as quais é necessário desenvolver uma reflexão profunda. A primeira é a comunicação no interior do próprio sistema de justiça. A título de exemplo, o que ficou conhecido como o caso Esmeralda é claramente um caso de má comunicação no interior do sistema de justiça, em que o mesmo sistema de justiça está a julgar simultaneamente situações de regulação do poder paternal, de criminalidade, em que duas pessoas que se candidatam a ser parte legítima na regulação, são simultaneamente arguidas e ao mesmo tempo têm um recurso no Tribunal Constitucional para saber se são parte legítima no processo...

P-E isso dantes não se observava?

LL-Dantes observava-se. O que acontece é que hoje há uma dimensão mais clara das coisas. Porque há um conjunto de outras racionalidades que se desenvolvem ao lado da justiça. Até há pouco tempo, a racionalidade da justiça era científico jurídica, em que o único discurso validado cientificamente, era o discurso técnico, dos juízes, da comunidade dos juristas.

P-E não acha que continua a ser?

LL-Não.

P-Muitas vezes, não se percebe o discurso...

LL-Isso tem a ver com a comunicação de dentro para fora. Quer no conteúdo das decisões, quer no modo como são comunicadas para o exterior, se cria um sujeito novo que é o cidadão. Porque, normalmente os sujeitos são os sujeitos do processo, interiores do próprio sistema. Hoje há uma relação de dentro para fora, que é essencial para que permita que haja uma dimensão do espaço público relativamente ao modo como funciona a justiça. Não estou a dizer que as sentenças tenham de ser escritas numa linguagem vulgar, não técnica, agora o que é fundamental é que a dimensão da compreensão delas tenha de ser considerada nas próprias sentenças e, ao mesmo tempo, encontrar instrumentos de tradução para o exterior numa linguagem técnica e por vezes difícil de desconstruir em termos compreensivos por parte do cidadão comum. Mas depois, há uma terceira dimensão que é a comunicação fora, claramente do domínio da comunicação social e do espaço público. E depois uma última, que é a comunicação de fora para dentro, onde se jogam as questões do acesso à justiça. Não apenas do acesso intraprocessual, mas as questões de acesso da compreensão activa, de participação na administração da justiça por parte do cidadão e por outro lado, de intervenção crítica.

P-A esse propósito, há uma figura jurídica activa que é o assistente. Um jornalista e um política constituíram-se, recentemente, assistentes em dois processos. Dois cidadãos que, a seu modo, mostram uma certa desconfiança no sistema, que se propõem colaborar activamente com o sistema para que se faça justiça.

LL-É uma leitura que tem uma dimensão correcta, independentemente de saber se têm razão ou não. O que acontece é que temos um sistema que permite que possam intervir no interior do processo como assistentes. E este é um modelo do qual não encontramos paralelo nos restantes países europeus.

P-É também uma forma de vigilância...

LL-É uma forma de acompanhamento do Ministério Público. Porque exerce a acção penal em representação do próprio Estado. Uma questão está em saber se o deve fazer apenas institucionalmente ou se os próprios cidadãos têm instrumentos, desde que tenham interesse legítimo em o fazer, em actuar ao lado do Ministério Público, até carreando para o processo outros elementos.
Agora o que gostaria de fazer ressaltar é que essa participação é tanto mais útil quanto mais for uma participação de cooperação e não de substituição e muito menos uma participação que assenta na desconfiança do próprio sistema porque então criamos um ciclo vicioso que faz com que os resultados acabem por ser o que menos importa e o que mais interessa é a manifestação da exuberância da intervenção participativa.

P-Acompanha as críticas do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público que dizem que está em causa a autonomia?

LL-Acompanho em parte

P-Acha que há um perigo de funcionalização?

LL-Acho que há um perigo de funcionalização

P-De que forma é que isso se observa?

LL-Nas alterações que foram introduzidas ao estatuto do Ministério Público, por sequência das alterações ao mapa judiciário, foram trabalhados dois conceitos essenciais, o da autonomia e da hierarquia que nos podem levar a concluir que há uma progressiva desvalorização dó Ministério Público, como uma magistratura, e uma aparente valorização do Ministério Público como um serviço, no limite como um serviço do procurador-geral da República. Acentua-se muito a chamada hierarquia funcional. As nomeações para um conjunto de cargos no Ministério Público, passam a ser nomeações por escolha feitas pelo Conselho Superior da Magistratura, mas a partir da escolha ou do procurador geral ou dos procuradores gerais distritais. Por sua vez, estas nomeações são feitas em comissão de serviço e não garantem a estabilidade.
Mas enquanto o sindicato entende que é pela via da declaração de inconstitucionalidade dessa normas que a situação tem de ser posta, eu creio que ainda é possível, através da fixação de normas internas por parte do Conselho Superior do Ministério Público, fazer uma pré determinação normativa e abstracta para sabermos quais são os critérios de nomeação e vir por essa via corrigir aquilo que pode ser alguma deriva

P-O seu nome tem surgido associado à polémica sobre a escolha do provedor de justiça. O seu nome já foi rejeitado duas vezes pelo PS. Que comentário faz a esta situação?

LL-Infelizmente não estou em condições de nem sequer comentário poder fazer. Não sei de nada, ninguém falou comigo em nenhuma circunstância. Ninguém me procurou para me perguntar se o meu nome podia ser sugerido.

sexta-feira, fevereiro 27, 2009

Isto vai mal...

Lisboa, 27 Fev (Lusa) - Três investigadores da Polícia Judiciária (PJ) que trabalham no "caso Freeport" garantem que o processo "não esteve parado durante três anos", realçando que foram feitas "inúmeras diligências de busca entre 2005 e 2008".

Em comunicado hoje divulgado, o advogado António Pragal Colaço, mandatário de três dos investigadores criminais ligados à investigação do "caso Freeport", refere que, em Junho de 2008, o "processo tinha nove volumes e 230 apensos".

"Não corresponde à verdade que o processo Freeport tenha estado parado durante três anos", assegura.

Já por duas vezes, o PGR afirmou publicamente que o processe esteve "praticamente parado", desde 2005.

Disse-o em Janeiro deste ano e voltou a dizê-lo recentemente. Foi então desmentido e volta a sê-lo agora.

Hoje mesmo, o Correio da Manhã ( pela tecla de Tânia Laranjo, o que suscita reservas), escreve que o PGR pretendia que o processo fosse tornado público. E que a directora do DCIAP ( e todo o departamento) a tal se opõe .

Não me lembro de coisa igual, nos últimos anos. Quer dizer, não me lembro de isto acontecer...nunca!

Actualização às 23h e 55m.:

Lisboa, 27 Fev (Lusa) - O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) defendeu hoje que é "de toda a conveniência que a estratégia do processo e o desenvolvimento das investigações não decorram na praça pública".

No mesmo dia em que três investigadores da Polícia Judiciária (PJ) ligados à investigação do "caso Freeport" garantiram que o processo "não esteve parado três anos", o presidente do SMMP, António Cluny, apelou "à contenção de todos os intervenientes" no sentido de não se discutir o processo na praça pública.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal (ASFIC) da PJ não quiseram tecer qualquer comentário sobre a posição tornada hoje pública pelo advogado António Pragal Colaço, mandatário dos três inpectores da PJ que integram a investigação do "caso Freeport".

quinta-feira, fevereiro 26, 2009

A nova TVI24

Estreou o canal de notícias, o TVI24. Quanto às notícias, nada de especial, com Henrique Garcia. Lembra o antigo canal 2 da RTP.
Quanto ao programa das quintas-feiras, Roda Livre, uma agradável surpresa. Vital Moreira, Vasco Pulido Valente e Rui Ramos, debatem alguns temas. Vital Moreira menos agressivo que na escrita e mais discursivo. Pulido Valente em crónica verbalmente alargada e Rui Ramos mais discreto.
Para já, é um must.
Vital Moreira continua igual a si mesmo, embora um pouco mais suavizado. Falou duas ou três vezes na Igreja Católica. Uma delas para dizer que é uma das instituições do país.
Claro. É exactamente por isso que não perde ocasião de lhe "malhar", como grande jacobino que é.

Vasco Pulido Valente é um tipo de raciocínio rápido. Atrapalha-o um pouco a dicção, mas não lhe retira eficácia no discurso.
Rui Ramos é alguém que balança. Vamos ver para onde.

O recurso dos prazos

Lisboa, 26 Fev (Lusa) - O recurso do Ministério Público contra a decisão judicial de obrigar o Estado a indemnizar o ex-dirigente socialista Paulo Pedroso, no âmbito do processo Casa Pia, já deu entrada no Tribunal da Relação de Lisboa, disse hoje fonte judicial.

Uma fonte da Relação de Lisboa adiantou à agência Lusa que a apreciação deste recurso de natureza cível terá como relatora a desembargadora Manuela Gomes.

A 02 de Setembro de 2008, Paulo Pedroso ganhou a acção que interpôs por prisão ilegal no âmbito do processo Casa Pia e o Estado foi condenado a pagar 100 mil euros.

Quase seis meses, para...chegar à Relação. Um simples recurso cível que não apresenta as dificuldades de um Inquérito criminal, cujo prazo de conclusão, é semelhante se houver arguidos presos.

Seis meses! E agora, virá o acórdão. Prazo? Não há. Virá um dia destes. Um dia é como quem diz um mês ou mesmo um ano. Destes.

Isto tem algum sentido? Tem: o de permitir que a dirigente do PSD possa dizer que a Justiça atingiu o fundo e já não pode descer mais. Mas pode. Ai pode, pode.

O problema

clicar na imagem para ler.

Como se resolve este problema, retratado hoje no Correio da Manhã, mas extensível a outras escolas?
É um problema social, escolar e de segurança interna.
Quem diz social, diz ISCTE. Quem diz escolar, continua a soletrar ISCTE e quem diz segurança interna, diz governo PS, ministro Rui Pereira, reformas penais e laxismo social.

Está resolvido.

quarta-feira, fevereiro 25, 2009

“O céu dos conceitos está cheio de violinos”.

[O Código de Processo Penal de 1987] Entre as suas inovações mais marcantes, erigiu as proibições de prova em figura geral e nuclear do novo ordenamento processual penal português”- Professor Costa Andrade, Sobre as proibições de produção de prova em processo penal, Coimbra Editora, 1992, no prefácio.

“ O professor Figueiredo Dias, fundador do que já pode considerar-se uma doutrina portuguesa das proibições de prova”- ibidem.

“Um caminho onde se têm manifestamente adiantado a doutrina e a jurisprudência germânicas.”- ibidem, pág. 14.

Nem sempre o interesse do esclarecimento do crime e da perseguição de um suspeito terá, só por si, a força bastante para derimir ( assim, no original) a ilicitude material indiciada pela tipicidade das pertinentes formas de produção ou valoração da prova.”

Nas fontes desta problemática, encontram-se os direitos protegidos criminalmente, de gravação e fotografias ilícitas, intromissão na vida privada, violação de segredo de correspondência e telecomunicações e ainda de segredos profissionais.

São estes valores criminalmente protegidos que sustentam a teoria das proibições de prova. Para além disso, há a jurisprudência que em Portugal, na época ( e agora) era escassa e por isso tornava obrigatória a consulta dos estrangeiros germânicos e ainda a doutrina que neste caso particular tinha um guru, apenas: Figueiredo Dias. Com a indicação concreta e precisa no sentido de ter sido este o autor do Projecto que viria a converter-se no Código de Processo Penal vigente.

Este CPP, na sua estrutura essencial e depois de 15 revisões desde 1987, mantém-se fiel às ideias de Figueiredo Dias e Costa Andrade, malgrado algumas alterações pontuais, denunciadas por este último como erráticas e incoerentes, para dizer o mínimo. Isso, dito literalmente na cara, ao autor da última reforma processual penal, Rui Pereira.

Não haja qualquer dúvida sobre esta matéria: a doutrina essencial vem da Alemanha. A jurisprudência estudada de lá vem também: “ É conhecida a frequência e profundidade com que os tribunais superiores alemães, nomeadamente o Tribunal Constitucional alemão e o Bundesgerichtshof se têm directamente ocupado da problemática das proibições da prova e das suas plúrimas expressões concretas” - ibidem, pág. 20

“ Não é fácil de identificar questão com relevo doutrinal ou pragmático em matéria de proibições de prova para a qual a dogmática e a jurisprudência alemãs não tenham proposto já ( em termos normalmente divergentes) vias de enquadramento teórico e de superação normativa.”- ibidem, pág. 21.


E no entanto, como Costa Andrade escreve, a pág. 22, nesta matéria, “tudo subsiste como objecto de controvérsia e motivo de desencontro: compreensão e extensão do conceito, propostas de arrumação classificatória e sistemática, modelos de construção dogmática e soluções prático-jurídicas.”

Nesta área, apesar de tantos estudos e opiniões germâncias, ainda nem se logrou alcançar o que parece mais simples: “uma terminologia unificada”. A confusão e caos opinativo, nestas coisas, permite que os próprios alemães ( Strate) escrevam que “o leitor que hoje se dispõe a folhear os manuais e comentários de direito processual penal, só encontra ( em matérias de proibições de prova) confusão em vez de conhecimento e orientação. E isso, inroniza, não obstante o céu dos conceitos estar completamente cheio de violinos” .

Costa Andrade partiu deste panorama, ( que se matém actual) para escrever no início dos anos noventa do séc. passado, o seu livro de pouco mais de trezentas páginas, em parte recolha de artigos já publicados em revistas académicas da FDUC e concluir que há muito por fazer na dogmática e composição da pauta do céu dos conceitos.

Há uma ideia básica que atravessa toda esta dogmática: a verdade não deve ser investigada a todo o preço. E ainda outra: o objectivo de esclarecimento e punição dos crimes é do mais elevado significado, mas não pode representar sempre e em todas as circunstâncias, o interesse prevalecente do Estado.

Estas duas ideias, provém da jurisprudência do tribunal constitucional alemão- vide obra citada, pág.116. Percebe-se o alcance das mesmas, mas...

No entanto, em Portugal, o problema é este:

Os nossos teóricos não chegaram sozinhos a tais formulações de senso comum. E ainda por cima, pegam nessas duas ideias e noutras que vão beber a esse local, quase exclusivo e transformaram-nas em balizas para impedir o funcionamento da Justiça. Os casos recentes que contendem com a admissibilidade e proibição de provas em processo penal, provam-no. E são escandalosos. Inadmissíveis porque atentam contra o senso comum e não atentam contra qualquer direito individual de relevo que permitam a sua defesa à outrande, como acontece.

O que devia ser excepção torna-se regra e quem sai prejudicado é efectiva e realmente a noção de justiça concreta e definida que todos, mas mesmo todos, percebem e entendem. E alguns contestam, com fundamento em artigos teóricos, teorias importadas e conceitos de "céu de violinos".

Um exemplo concreto? O caso da “fruta” de Pinto da Costa e amigos.

As dificuldades teórico-práticas, nestas matérias, permitem que os professores de Coimbra e agora também os juízes do Tribunal Constitucional, se valham constantemente da dogmática e jurisprudência alemãs, para definirem limites e obstáculos intransponíveis à aplicação daquilo que é o mero senso comum: um criminoso é um criminoso e o desvalor de uma acção que todos percebem ter ocorrido e ser a verdade, não pode ser anulado por uma construção teórica em nome de princípios ainda mal definidos.
Isso para não falar no comércio espúrio ( no sentido de estranho ao assunto fundamental) dos pareceres que tal entendimento tortuoso sempre permite e que constitui importante fonte de rendimento de catedráticos.

É este o problema actual do nosso processo penal. E a acusação é esta: os teóricos de Coimbra são suspeitos de adultararem os valores sociais que nos interessa preservar enquanto comunidade com mais de oitocentos anos de História.
E fazem-no recorrendo a ideias estrangeiroas, alemãs, na sua maioria, como se eles fossem os nossos verdadeiros professores e nós os alunos mais básicos.
De resto, tenho consciência que é uma acusação inútil. Qualquer um dos visados, se isto lesse, perguntaria em primeiro lugar: quem é este badameco? E depois, poria de lado...
É assim que se comportam sempre.

terça-feira, fevereiro 24, 2009

Os académicos da injustiça

Lusa/ Sol:

O recurso da Bragaparques, baseia-se, entre outros, num parecer do penalista Costa Andrade para quem, «no direito positivo português vigente não é permitido o recurso a agente encoberto para investigar o crime de corrupção activa para acto lícito, dirigida a um titular de cargo político».

Isto porque - sublinha - «a investigação deste crime não legitima as escutas telefónicas, medida menos invasiva e danosa que só é válida para crimes superiores a três anos».

Observa que «entendimento diferente determinaria a inconstitucionalidade da norma, por violação do princípio da proporcionalidade».

Para Costa Andrade «a ilegalidade da acção encoberta determina a ilegalidade e proibição de valoração das provas que ela tornou possíveis, nomeadamente o teor das gravações das conversas de 24 e 27 de Janeiro de 2006», que Ricardo Sá Fernandes manteve com Domingos Névoa.

Afirma que foram feitas em violação frontal do Código Processo Penal e da Lei n.º 5/2002 e que sofrem, ainda, de «falta de fundamentação do despacho de autorização e das exigências de acompanhamento e controlo judicial».

«As provas ilícitas são inadmissíveis no processo» , afirma, frisando que Ricardo Sá Fernandes terá incorrido na prática de um crime ao gravar uma conversa privada, em 22 de Janeiro de 2006, sem autorização do interlocutor."


O problema principal do nosso processo penal é este que está à vista de todos: as exigências e requisitos para recolha e validação das provas de crimes, são tão apertadas e rigorosas que fatalmente acabam no que se tem visto: a absolvição dos poucos corruptos e suspeitos que ainda vão sendo encontrados.

O poder legislativo que engloba pessoas como o professor Costa Andrade, a escola de Direito Penald e Coimbra e agora também a de Lisboa, com a professora Fernanda Palma, durante anos a fio, teceram uma teia de renda jurídica cujos fios são tão juntinhos que nada deixam escoar para a condenação. Fica tudo filtrado na fase de investigação - quando e se tal acontece, o que aliás se vai tornando cada vez mais raro. O que passa, ficará depois retido em recurso e sucessivas aclarações de acórdãos que duram anos e anos a transitar em julgado.

As regras de processo penal, facilitam, incentivam e cerceiam a Justiça, em Portugal, sempre com as melhores razões teóricas, geralmente associadas aos direitos, liberdades e garantias de bandidos e trafulhas. O direito penal português, tem-se transformado num verdadeiro direito penal dos inimigos da sociedade, sempre com o apoio e aplauso daqueles teóricos que assim devem ser denunciados como inimigos da mínimo ético para uma ordem social decente. Inverteram a prioridade de valores, elevando à categoria máxima, os direitos e garantias que impossibilitam a Justiça.

As ideias jurídicas de Costa Andrade e das escolas de Direito Penal português, fixadas em letra de lei, não permitem o combate à corrupção, em Portugal, neste nível da corrupção activa, em caso de acto lícito ou da passiva para acto lícito, também. As molduras penais destes crimes, são meramente simbólicas e o CPP proíbe a utilização de escutas telefónicas em investigação de crimes com pena inferior a três anos de prisão, no geral.

Logo, nestes crimes, é proibido escutar. E como é proibido, se por acaso se escutou por causa de crime de moldura superior, como foi no caso Bragaparques em que o arguido foi pronunciado por corrupção activa para acto ilícito e agora, em julgamento, se mudou para acto lícito, com pena manifestamente inferior, a doutrina de direito penal, agora assente até pelo Tribunal Constitucional ( caso da "fruta" do dirigente do FCPorto), proíbe o uso dessa prova.

Obviamente, os advogados dos arguidos agradecem. Artur Marques, neste caso Bragaparques em que a condenação foi meramente simbólica mas perfeitamente razoável segundo as leis penais que temos, aproveita e como é dever de qualquer advogado, defenderá o seu cliente.

Não adianta mais andar com paliativos jurídicos porque é esta a verdade que todos têm que ver e denunciar: as leis penais protegem estes corruptos e os teóricos do Direito penal aplaudem e emitem pareceres nesse sentido. Há que denunciar isto e tentar mudar este estado de coisas, começando em primeiro lugar por inquirir os teóricos sobre os fundamentos daquilo em que acreditam e nos valores que verdadeiramente defendem e que nos conduzem a estes escândalos evidentes e que só eles parecem não querer ver.

Vejamos as normas aplicáveis. O crime do patrão da Bragaparques, insere-se no artº 374º nº 2 do CP ( que não permite o uso de escutas). Na pronúncia, tinha sido incluído no artº 374º nº 1 ( que permitia a utilização de escutas):

Artigo 374.º do C. Penal:
Corrupção activa 1 - Quem por si, ou por interposta pessoa com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial que ao funcionário não seja devida, com o fim indicado no artigo 372.º, é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos.
2 - Se o fim for o indicado no artigo 373.º, o agente é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 60 dias.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto na alínea b) do artigo 364.º


Por outro lado, as escutas telefónicas, só podem fazer-se nos casos seguintes. Atente-se na verdadeira teia de renda jurídica, tecida para impedir o funcionamento da Justiça:

Artigo 187.ºdo CPP:

Admissibilidade 1 - A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público, quanto a crimes:
a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos;
b) Relativos ao tráfico de estupefacientes;
c) De detenção de arma proibida e de tráfico de armas;
d) De contrabando;
e) De injúria, de ameaça, de coacção, de devassa da vida privada e perturbação da paz e do sossego, quando cometidos através de telefone;
f) De ameaça com prática de crime ou de abuso e simulação de sinais de perigo; ou
g) De evasão, quando o arguido haja sido condenado por algum dos crimes previstos nas alíneas anteriores.
2 - A autorização a que alude o número anterior pode ser solicitada ao juiz dos lugares onde eventualmente se puder efectivar a conversação ou comunicação telefónica ou da sede da entidade competente para a investigação criminal, tratando-se dos seguintes crimes:
a) Terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada;
b) Sequestro, rapto e tomada de reféns;
c) Contra a identidade cultural e integridade pessoal, previstos no título iii do livro ii do Código Penal e previstos na Lei Penal Relativa às Violações do Direito Internacional Humanitário;
d) Contra a segurança do Estado previstos no capítulo i do título v do livro ii do Código Penal;
e) Falsificação de moeda ou títulos equiparados a moeda prevista nos artigos 262.º, 264.º, na parte em que remete para o artigo 262.º, e 267.º, na parte em que remete para os artigos 262.º e 264.º, do Código Penal;
f) Abrangidos por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima.
3 - Nos casos previstos no número anterior, a autorização é levada, no prazo máximo de setenta e duas horas, ao conhecimento do juiz do processo, a quem cabe praticar os actos jurisdicionais subsequentes.
4 - A intercepção e a gravação previstas nos números anteriores só podem ser autorizadas, independentemente da titularidade do meio de comunicação utilizado, contra:
a) Suspeito ou arguido;
b) Pessoa que sirva de intermediário, relativamente à qual haja fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido; ou
c) Vítima de crime, mediante o respectivo consentimento, efectivo ou presumido.
5 - É proibida a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações entre o arguido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que elas constituem objecto ou elemento de crime.
6 - A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações são autorizadas pelo prazo máximo de três meses, renovável por períodos sujeitos ao mesmo limite, desde que se verifiquem os respectivos requisitos de admissibilidade.
7 - Sem prejuízo do disposto no artigo 248.º, a gravação de conversações ou comunicações só pode ser utilizada em outro processo, em curso ou a instaurar, se tiver resultado de intercepção de meio de comunicação utilizado por pessoa referida no n.º 4 e na medida em que for indispensável à prova de crime previsto no n.º 1.
8 - Nos casos previstos no número anterior, os suportes técnicos das conversações ou comunicações e os despachos que fundamentaram as respectivas intercepções são juntos, mediante despacho do juiz, ao processo em que devam ser usados como meio de prova, sendo extraídas, se necessário, cópias para o efeito.

E nem sequer entramos noutro problema levantado na decisão em causa: a admissibilidade de uso de agente encoberto para descobrir o corrupto ou outro criminoso. É matéria demasiado delicada para os direitos, liberdades e garantias de...corruptos.

segunda-feira, fevereiro 23, 2009

A medida da culpa

Diário Digital:

O administrador da Bragaparques, Domingos Névoa, foi hoje condenado pelo Tribunal da Boa-Hora, em Lisboa, a 25 dias de multa a 200 euros cada, totalizando cinco mil euros, pelo crime de corrupção activa para prática de acto lícito.
O crime de corrupção passiva para acto lícito, é punido no artº373º do Código Penal, em abstracto, com uma pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.
Tanto como um crime de condução sem carta. Ou com álcool a mais.
O crime de corrupção activa, relacionado com um acto lícito, previsto no artº 374º, esse ainda tem bónus acrescido: pena de prisão até seis meses ou pena de multa até 60 dias.

No caso concreto, a pena foi de multa. 5000 euros que vão fazer muita falta ao arguido.
No artigo 40 do Código Penal, explica-se a finalidade das penas: protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade. "Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa".
A medida da culpa deste arguido, é de 5000 euros.

Nota: postal corrigido quanto aos artigos do CP aplicáveis.

Caçadas

Público online:

O ministro da Justiça espanhol, Mariano Fernández Bermejo, apresentou hoje a sua demissão face à onda de protestos gerada pela sua participação numa caçada com o juiz Baltasar Garzón, responsável pela instrução de um processo de corrupção que envolve dirigentes do Partido Popular, o maior partido da oposição.
A edição online do diário “El Mundo” recorda que nos últimos dias os conservadores, mas também dirigentes socialistas, criticaram a caçada com o juiz da Audiência Nacional, considerando que a proximidade entre Bermejo e Garzón levanta suspeitas de interferência do poder político no processo judicial em curso.
20.02.2009 - 18h27 Agências
O juiz espanhol Baltasar Garzón foi hoje à tarde hospitalizado numa clínica de Madrid com uma crise de ansiedade, depois de se ter sentido indisposto, com uma forte dor no peito.
Por cá, nem ansiedades nem demissões. As suspeitas de promiscuidade do poder político com a instância judicial, incluindo os investigadores de topo, designadamente no caso Freeport, nomeados para cargos de relevância política no exterior, estão na ordem do dia. O caso dos irmãos Guerra ( do ICN e do MP) e dos responsáveis nomeados para o Eurojust, é motivo de grande apreensão, neste assunto concreto.
Não o seria em circunstâncias normais e correntes, mas neste caso assume relevãncia especial que não pode ser contornada com juras e garantias de boas intenções. Por um motivo que importa esclarecer quanto antes: se houve em algum momento, o perigo de a investigação ficar condicionada em função das ligações familiares e de amizade dos intervenientes.
Importa ainda saber com toda a clareza possível e aproximação desejável à verdade material, se o sigilo e a rapidez de investigação que eram essenciais e absolutamente necessários, à descoberta da verdade, foi garantido e respeitado e absolutamente circunscrito a quem dele tomou conhecimento por obrigação legal. A publicação dos nomes das pessoas que lidaram com o caso, directa e indirectamente, por causa das funções que exercem, torna obrigatório tal esclarecimento. Ponto e parágrafo.
E fotos como esta, à solta por aí na Rede( se for verdadeira e autêntica como parece) nada ajudam a que a essência da honra profissional que obriga à isenção e imparcialidade, ligadas à independência pessoal e política, condiga com a aparência da mesma.
Isto está de rastos e as pessoas responsáveis já nem se preocupam com estas aparências.

sábado, fevereiro 21, 2009

Tarde piaste

"Em relação à Justiça há um ponto que define o que sinto sobre a matéria. Isto não pode continuar. Aquilo que se tem passado nos últimos tempos significa descer todos os dias mais um degrau da credibilidade do sistema de Justiça. Eu acho que já não conseguimos descer mais degraus." -Manuela Ferreira Leite ao Correio da Manhã de hoje.

Acha mesmo, Manuela Ferreira Leite? Quem aprovou o Pacto de Justiça, "nestes últimos tempos"?
Quem tem contemporizado com reformas penais, trágicas para essa credibilidade?

Por último: vai descer mais e mais. E vamos ver isso no caso BPN. E Manuela Ferreira Leite, sobre isso, nem um pio vai dar. Porque não pode abrir o bico, salvo seja.

Veremos.

As últimas do Freeport

Do Expresso, sobre o caso Freeport:

"Ao fim de um dia aparentemente perfeito, Napoleão, o dogue francês da família voltou a casa ( estava desaparecido)e mereceu um comunicado de advogados".

Entre todas as notícias, incluindo a indicação concreta das perguntas feitas na inquirição em que estiveram presentes quatro inspectores da PJ e dois procuradores do DCIAP, aquela é a mais relevante, para o assunto.

Andam a gozar connosco.

Segredos de polichinelo


O Expresso publica o teor da inquirição que o MP fez a Júlio Monteiro, tio do PM, no caso Freeport, nesta semana que passou.

Violação mais flagrante de segredo de justiça, não pode haver. Interesse especial nesse segredo, agora, também não é assim tão grande.

Sobra a questão: quem violou o segredo de justiça? Foi o MP?

Por mim, os suspeitos até se deixaram fotografar. Na primeira página.

sexta-feira, fevereiro 20, 2009

O estado da Educação


Este "ofício" , picado daqui, foi remetido à presidente do conselho executivo da AE Território educativo de Coura, assinado em forma digital, pela directora da DREN, Margarida Moreira.

Talvez a velocidade de expedição tivesse trocado as voltas às palavras e virasse do avesso a sintaxe exigível num "ofício".
Seja como for, o "ofício" já é tema de chacota nos blogs. Merecida, aliás.
A directora da DREN, além do mais, já exerceu funções no ensino superior de...Educação e nos antigos magistérios primários. Em suma, ensinou professsores.
É licenciada em...Ciências da Educação. A sua nota curricular pode ser lida aqui.

E escreve como se pode ler, clicando na imagem.

Coisas e loisas

Saldanha Sanches, agora mesmo na Sic-Notícias, acaba de dizer uma coisa importante:

Quando num país, uma figura máxima do Estado ( PM ou PR) é o alvo de investigações judiciais e policiais, necessariamente algo vai muito mal. Por um motivo que parece óbvio e explicou:

É o Estado que se confronta consigo mesmo, nessa investigação. E uma dessas partes vai ter de ceder.
Em Portugal, neste caso em que o Primeiro-Ministro aparece como alvo de suspeitas ao nível que já aparece, então já se sabe quem vai ceder. O MP não está preparado para esta gravidade. O que se nota demais, porque é nestes casos em que isso é mais aparente.

Nos EUA, diz Saldanha Sanches, é o Senado que investiga este tipo de coisas., por causa dessa dificuldade originária. Noutros lados, será diferente.
( E não, não são calúnias ou difamações. São mesmo factos concretos que não se explicam facilmente e as explicações não aparecem).

Está de caras.

PS. No diálogo que se gerou entre Saldanha Sanches e Teresa Caeiro, aquele referiu Paulo Portas como tendo estado envolvido no caso da Moderna, apesar de não ter sido suspeito. Teresa Caeiro retorquiu-lhe que Portas nem testemunha tinha sido e lamentou que estas coisas possam enlamear civicamente as pessoas. Sanches disse-lhe que não são estas coisas, mas os factos e que no seu caso está à vontade porque não tem problemas desses.
Faltou a Teresa Caeiro a presteza para lhe lembrar o caso triste , do aviso a Ferro Rodrigues, no auge da investigação à Casa Pia...

Faxes negros

O noticiário da TVI começou. E já há notícias:

"É só para saberes o que está em jogo"- fax de 1996 , atribuido a Manuel Pedro, da Smith & Pedro e dirigido a quem é quem.

"Não conheço Manuel Pedro. Se passar por ele na rua, não o conheço"- José Sócrates, 2009.

"Só conheci António Morais, na Universidade"- José Sócrates, 2007.

Pois sim.

PS. No noticiário, num pequeno apontamento de reportagem, arrepiante e sinal de toda uma imagem degradada deste governo e personagem:

O PM a dirigir-se para um automóvel oficial, de comitiva, com assessores e acompanhantes e o repórter à ilharga, a perguntar-lhe de chofre: "e sobre a casa, hoje não vai falar?"


Pior a emenda que o soneto

Alguém se lembra desta?

«Eu cá gosto é de malhar na direita, e gosto de malhar com especial prazer nesses sujeitos e sujeitas que se situam, de facto, à direita do PS. São das forças mais conservadoras e reaccionárias que eu conheci na minha vida e que gostam de se dizer de esquerda plebeia ou chique. Refiro-me, obviamente, ao PCP e ao Bloco de Esquerda».


Então, agora, leia-se esta:

«Com toda a franqueza, acho excessivo a forma como a RTP fez a promoção desta entrevista fazendo uma coisa que é inaceitável: pôr o som de uma intervenção minha numa reunião partidária e a imagem de eu a falar no Parlamento».

A autoria das duas frases, pertence ao mesmo pigmeu. Dose dupla, portanto, de ridículo.

Mas nem assim vai ao sítio.

Aditamento em 22.2.2009, às 21h:

A RTP, atenta e com a veneração do costume, em profunda atenção devida ao pigmeu da propaganda política, faz mea culpa, derreia-se na desculpa e consegue ultrapassar o ridículo:

José Alberto de Carvalho, director de Informação da RTP, reforçou ontem ao DN um argumento que diz utilizar muito em público: "Reivindico para a RTP o direito de errar." Isto para assumir que a estação errou ao colocar na promoção da entrevista do ministro dos Assuntos Parlamentares, Augusto Santos Silva, uma expressão que ele disse numa reunião partidária, mas com imagem do Parlamento.

As contas de Sócrates

O jornal Público de hoje retoma o tema das "casas de Sócrates".

O tema já foi glosado pelo Correio da Manhã, no mesmo tom: saber como foi possível a Sócrates, em 1996, adquirir um apartamento no centro de Lisboa, por 235 mil euros, pagos na altura (?) e escriturados dois anos depois, quando na mesma época, apartamentos idênticos no mesmo prédio, custavam mais 20% sobre esse valor, no mínimo.

O que o Público relata são factos. Factos relacionados com um indivíduo que é primeiro-ministro e na época já era governante ( secretário de Estado e depois ministro-adjunto do PM).
Logo, factos com relevância pública e que nada autorize que esse mesmo indivíduo declare que " qualquer insinuação no sentido do incumprimento das minhas obrigações fiscais só pode ser considerada como caluniosa e difamatória", tal como escreveu ao jornal.
Mas está enganado, o PM. Aquilo que está em causa não são as tais "obrigações fiscais", em princípio.
É outra coisa que toda a gente tem o direito de saber porque se trata de algo relacionado com alguém que exerce funções públicas do mais alto relevo no país. Manda em muita gente, toma decisões que afectam muita gente e foi eleito para dar satisfações a muita gente. Tem que as dar, por isso mesmo.
Não é do zé-da-esquina que estamos a falar, se bem que o visado julgue que se pode colocar a esse nível para pedir batatinhas e até ameaçar desenvergonhadamente os que o questionam.
Então. vamos a isso mesmo.
Em 1995 e 1996, altura do negócio, eram estes os rendimentos de José Sócrates
Ano de 1995:
CARGO: Secretário de Estado adjunto do Ambiente
RENDIMENTO ANUAL: 8 082 700$00 (40 413 €)
PATRIMÓNIO IMOBILIÁRIO: Casa na Calçada Eng. Miguel Pais, em Lisboa
VIATURA: Não há registo
DÉBITO: 15 347 065$00 (76 735 325 €) ao MG, por 20 anos

ANO: 1996
CARGO: Secretário de Estado adjunto do Ambiente
RENDIMENTO ANUAL: 12 914 083$00 (64 570 €)
PATRIMÓNIO IMOBILIÁRIO: Na Rua Braamcamp, uma casa no Edifício Castilho. Casa de 95 foi vendida
VIATURA: Rover 111 sl
DÉBITO: Empréstimo do MG foi liquidado no dia 27 de Fevereiro de 1996

ANO: 1997
CARGO: Ministro adjunto do primeiro-ministro
RENDIMENTO ANUAL: 13 531 740$00 (67 658 €)
PATRIMÓNIO IMOBILIÁRIO: Apartamento no 3.º piso do Edifício Castilho, na Rua Braamcamp, em pleno centro de Lisboa
VIATURA: Rover 111 SL
DÉBITOS: Empréstimo de 15 000 000$00 (75 000 €) da Caixa Geral de Depósitos (CGD), em Janeiro de 1998, para compra de habitação, com a duração de 12 anos.

O que vemos aqui, muito claramente visto, é o seguinte:
José Sócrates já declarou várias vezes que não é rico e que só ganha e ganhou "da política". Portanto, os bens e rendimentos de Sócrates não podem nem devem ser mais do que estes que aqui estão.
Segundo declarou ao Público, agora, a propósito desta notícia que o mesmo toma como eventualmente difamatória, pagou a casa da rua Braancamp que lhe custou 235 mil euros, logo que a comprou, em 7 Março de 1996.
Teria sido quando a "contratualizou através de contrato promessa" ou então, em 2 de Março de 1998, logo que a escriturou, por motivos "imputáveis ao vendedor". Deixou passar este esclarecimento em branco, tal como outros.

O certo é que em 1996 já declarou como seu património imobiliário o apartamento na rua Braancamp. Logo, ou já o tinha pago ou confiou no contrato promessa como atribuição de direitos reais. Pode não ser, mas é estranho. Explicações, precisam-se.
Segundo se vê pela declaração de rendimentos, contraiu um empréstimo de 15 mil contos em Janeiro de 1998, por doze anos.
Mas tinha liquidado outro empréstimo de um pouco mais de 15 mil contos, ao Montepio Geral, em Fevereiro de 1996, na altura em que alienou outra casa, em 1995.
Como o dinheiro não estica e não veio de outro lado, como é que comprou em 1996 uma casa de 235 mil euros ( 48 mil e quinhentos contos)?

Parece fácil de explicar: ou vendeu o apartamento antigo que tinha ,por valor suficiente para tal.; ou arranjou empréstimos particulares ( e ninguém tem nada a ver com isso, a não ser que tenha...) ou então não temos explicações cabais.

A um primeiro-ministro, entalado por estas coisas, a única resposta que é possível dar é simples: mostrar as contas e os dinheiros.
E tentar dar uma explicação cabal para o desconto de pelo menos 20 %.
Sem se queixar de difamadores, caluniadores e outros cabalistas e malfeitores.

quinta-feira, fevereiro 19, 2009

Refundadores?

Alexandre Soares dos Santos, um comerciante português, herdeiro e líder do grupo Jerónimo Martins, criou uma fundação. Daquelas a sério e não daqueloutras que vivem do erário público ( como a de Mário Soares).
A novel fundação vai ter um património de vários milhões de euros anuais e aparenta um substrato de boa cepa. Os curadores são quase os do costume, de uma área consensual: o médico Lobo Antunes ; o político Valente de Oliveira ; o jurista António Araújo; um empresário, Carlos Moreira da Silva; uma activista, Isabel Jonet; um professor, Rosado Fernandes e um bispo, Manuel Clemente. À frente de todos, António Barreto. Um cronista formado em sociologia.

Alexandre Soares dos Santos, em entrevista ao Público, além de outras coisas, diz isto:

"É preciso dizer basta quando temos um país a atravessar uma grave crise, quando temos o desemprego que temos e vão à televisão uns senhores com responsabilidades falar contra o grande capital como se não fosse necessária a união de todos. Este meu país está mal. É um país sem rumo, sem uma classe política respeitada-pois pensa sobretudo nos partidos e nela mesma- que não consegue perceber que está a lançar o país no abismo".

Este discurso é o de outros que recentemente tem vindo a público: para além de Medina Carreira, também Ramalho Eanes; também Pires de Lima. E outros, anónimos ou quase. Os que vêem a suprema aldrabice deste poder que está e pretende continuar.

Soares dos Santos só peca por uma coisa: não dizer os nomes dos boys. Quando fala "nuns senhores", deveria dizer o nome de Francisco Louçã, porque foi esse que fez o discursco comunista e que secundou o congresso do PCP.
Louçã lidera o BE que se apresta a ganhar mais de 10 por cento de votos. Enganando as pessoas. Até consegue enganar um tipo como Miguel Gaspar que escreve no Público e ontem dizia que o BE tem um discurso social-democrata.
"Tem pai que é cego..."

A normalidade ilga

D. José Saraiva Martins, citado pelo Público:

"A homossexualidade não é normal, temos que dizê-lo (...) Não é normal no sentido de que a Bíblia diz que quando Deus criou o ser humano, criou o homem e a mulher. É o texto literal da Bíblia, portanto esse é o princípio sempre professado pela igreja".

Ontem de manhã, os noticiários de rádio ( Antena 1 e TSF, dirigidas pelo politicamente correcto soprado pela esquerda), não acharam normal que o cardeal entendesse a homosexualidade como não normal. As notícias traziam comentário depreciativo dependurado. Todas a toda a hora. Quase imperceptível, mas revelador das tendências noticiarísticas da terra.

A associação de homossexuais e lésbicas, com o acrónimo ILGA, revirou-se do avesso e vituperou a anormalidade do comentário.

Estamos num domínio semiótico em que o uso do adjectivo não corresponde aos sujeitos mas às práticas.
Em suma, a homosexualidade, conforme refere o cardeal, não é a forma normal para a procriação.
O que é evidente, menos para a tal ILGA que tem em Portugal membros conhecidos como uma jornalista que dá pelo nome de Fernanda Câncio e que de vez em quando é vista e fotografada na companhia do PM deste país. Daí lhe vem a notoriedade pública.

Mas se os homosexuais e lésbicas não são anormais, mas simples seres humanos como os outros ( é também o que diz a Igreja, para quem anda distraído de propósito) que dizer da sua associação ILGA?
A ILGA da senhora dona Câncio e outros, formou-se internacionalmente, no final dos anos setenta do século que passou. Em meados dos noventa, ainda andava às turrinhas, com outra associação que lhe pertencera, a NAMBLA.
Esta Nambla é uma associação de pedófilos e pederastas. Claramente. Sem vergonha alguma. Certo, a ILGA demarcou-se, porque senão nem recebria tusto como ONG.
Mas a verdade é que as suspeitas que os namblas a frequentam, são mais que muitas.

Será a NAMBLA normal? Serão os pedófilos normais?

Se são ( e não confundamos a coisa com os aspectos criminais que isso agora "não interessa nada"), então porque não são?

É Carnaval...ninguém leva a mal.

Uma notícia surreal no Diário Digital:

O Ministério Público (MP) enviou um fax à Câmara Municpal de Torres Vedras proibindo a inclusão de uma sátira ao computador portátil «Magalhães», disse o presidente da autarquia, Carlos Miguel, em declarações à Antena 1.

«Fomos surpreendidos agora cerca da uma hora com um fax do Ministério Público assinado pela senhora delegada do 1º juízo, a qual nos dá um prazo até às 15h30 para retirar o conteúdo do computador Magalhães», referiu o autarca.

«Achamos que pela primeira vez após o 25 de Abril temos um acto de censura aos conteúdos do Carnaval de Torres», acrescentou.

Segundo Carlos Miguel, «o que existe é uma sátira ao computador Magalhães com um autocolante que se pressupõe que seja o ecrã».

Adenda, às 21h e 20m:

No noticiário da SIC-Notícias, Mário Crespo glosa o assunto, com a presença do responsável pelo Carnaval de Torres Vedras, (advogado) e muito cuidadoso e diplomata. Pronuncia o nome da responsável pelo MP local, várias vezes ( Cristina Anjos), autora da intimação censória. Uma pessoa ainda jovem, diz o advogado diplomata.

O responsável lá vai repetindo que a "senhora procuradora-adjunta", até ficou admirada quando viu o "corpo de delito", nada parecendo aquilo que julgara antes e justificara a apreensão do "objecto pornográfico"...pelos vistos as imagens pouco ou nada terão de pornográfico.

Manhoso, Mário Crespo, pergunta qual a distância do tribunal ao local do crime: umas centenas de metros. Poucas.

Enfim.

ADITAMENTO, às 16h:

Do mal, o menos.

Público , última hora:

A sátira ao computador Magalhães, que tinha sido ontem censurada por conter “conteúdo pornográfico”, afinal vai estar presente do “Monumento” do Carnaval de Torres Vedras. O autarca Carlos Miguel pediu uma autorização para colocar uma nova imagem, igual à original, no local onde agora se lê “Conteúdo removido/censurado por ordem da senhora procuradora-adjunta da Primeira Delegação do Tribunal de Torres Vedras”. A procuradora-adjunta Cristina Anjos reconsiderou e deu luz verde.
(...)
Para a autarquia o recuo não é de estranhar, uma vez que ontem a procuradora, quando recebeu o autocolante no tribunal, admitiu que se baseou numa fotografia desfocada quando tomou a primeira decisão e que se se tivesse dirigido ao local teria considerado as imagens “inócuas”.

quarta-feira, fevereiro 18, 2009

O desembargador Rangel

No Correio da Manhã de hoje, pode ler-se mais uma arenga idiossincrática do cronista Rui Rangel que se assina como "Juiz desembargador". Escreve sobre o tratamento dos media no caso Freeport.
Como se pode ler, está tudo bem, não houve violações de segredo de justiça, a coisa tem sido mais ou menos controlada, a comunicação social vive tempos difíceis, enfim, coisa e tal. Mas não é a culpada da coisa do Freepor, não, nem pensar nisso. Portanto, tudo como dantes, excepto...excepto isto:
Nunca alinhando nas teses da cabala e das campanhas negras, pode dizer-se, de um modo geral, que a Comunicação Social andou bem e que até fez algum trabalho de investigação. O mesmo não aconteceu com o jornal ‘Público’, com as velhas guerras contra Sócrates, que mancham a sua isenção e credibilidade e com a TVI do casal Moniz. O que a TVI e Manuela Moura Guedes têm feito, no jornal das sextas-feiras, é perseguição pura e dura a Sócrates, não é jornalismo. O casal Moniz serve-se deste órgão de Comunicação Social poderoso para fazer campanha política. É arrepiante o que se passa às sextas-feiras nesta estação, com as peças montadas e articuladas ao sabor dos comentários da pivô do jornal. Este jornal da TVI está transformado numa máquina para triturar Sócrates e para assassinar o seu carácter, sem respeito pelas garantias básicas deste cidadão, que também tem direito ao seu bom-nome. Sem prejuízo da veracidade dos factos sobre o caso Freeport, a informação não pode ser feita a qualquer preço.
Há portanto duas ovelhas ranhosas na comunicação social correcta. E o "juiz desembargador" Rangel está aqui para julgar e ditar a sentença: censura moral.
Ao Público, porque sim. Anda sempre em campanha contra o amado líder e é verrinoso nas reportagens factuais. Pode lá ser, uma coisa dessas, em exercício de liberdade de expressão! À TVI, porque é o "fácies"( sic, salvo seja), "os trejeitos na cadeira" da apresentadora MMGuedes que incomodam e retiram a credibilidade.
Percebe-se bem esta arenga. O que não se percebe de todo em todo, é a razão pela qual um juiz desembargador, que se assina como tal, escreve o que escreve, manifestando a sua opinião politicamentre comprometida, a favor deste amado líder e deste governo que está, em modos de fazer temer algo indesejável: se um dia lhe chega um processo com estes casos, tem de se declarar impedido. Ou alguém o fará na sua vez.
Porque alguém lhe vai mostrar esta crónica, claro. A isenção e imparcialidade mora algures, mas não nas crónicas do desembargador Rangel.

Privilégios dos ricos

Do Expresso on-line:

Foi anunciado ontem que o empresário Manuel Fino entregou 10% do capital da Cimpor (metade da participação por si detida) para amortizar uma parte de empréstimos contraídos junto da Caixa Geral de Depósitos. As condições desse acordo com o banco público, assumindo que os detalhes referidos nos media são correctos, é que para esse efeito a participação será avaliada acima do actual valor de mercado (não se sabe muito bem em quanto mais) e que o empresário terá a possibilidade, a qualquer momento e durante três anos, de poder recomprar a referida participação ou transferir esse direito para terceiro (não é claro em que condições) sendo que a CGD não poderá alienar a participação antes do fim desse período.
Há até quem diga que é bom negócio...para o PS. Mas isso, deve ser a má-língua, habitual.
Aliás, não é a primeira vez que a CGD dá crédito amplo ao tal Manuel Fino. Aquando da turbulência no BCP, já Manuel Fino e outros, como o comendador da Bacalhôa, tiveram acesso a dinheiro em caixa, da Caixa, para comprar acções do BCP. Muitas. Para controlar o banco. Controlaram e depois, essas acções cairam a pique. O comendador está sem cheta que se veja. Este, pôs-se mais fino.
Fantásticos saltos à vara, nesta sociedade lusa de negócios com o que é de todos.

Constâncio já ameaça?

O deputado Nuno Melo, na Comissão parlamentar que investiga os contornos políticos do caso BPN, acaba de dizer na televisão ( SIC-Notícias) que há pessoas ligadas ao universo bancário que têm medo de depor na Comissão, por causa de ameaças da entidade reguladora, o Banco de Portugal, leia-se Vítor Constâncio.

Se isto for verdade, é mais grave que a ausência de regulação adequada que tem vindo a ser denunciada publicamente.
Esperemos pelo que se segue e se Vítor Constâncio é efectivamente corrido do lugar, se esta denúncia for realmente a expressão da verdade.
Corrido e processado, entenda-se. Se for verdade, entenda-se também. Mas a denúncia partiu de um deputado da Comissão.

1 800 milhões de euros a voar e o banco de Portugal a assobiar, é demasiado grave para ficar sem consequências. Ainda mais se tivermos em conta que a justificação, após a audição parlamentar, foi a vituperação de ignorância para aqueles que não percebem o que é a regulação.
De facto, apetece citar Brecht: " como é difícil governar!"

domingo, fevereiro 15, 2009

A quarta figura do Estado

O presidente do STJ e do CSM por inerência, Noronha do Nascimento, dá uma extensa entrevista hoje, ao DN/TSF.
A entidade singular máxima, do poder judicial enquanto instituição do Estado, diz assim em certo ponto, sobre o seu problema de sempre, o da investigação criminal ficar a cargo dos juízes:

DN/TSF- Há sempre um juiz, mesmo no processo de investigação.
NN-"Como eu lhe disse há bocado, quando se fala em justiça, há muitos sectores: há a polícia, há o Ministério Público...Ando a defender há muito tempo que a investigação devia ser feita por um juiz de instrução criminal, ando a defender esse modelo espanhol e francês há muito tempo! Que de início também era um modelo distorcido, porque os juízes estavam dependentes do procurador, o que também não pode ser. Imaginemos que o caso Freeport, que chega a tribunal, se chegar a tribunal, só a partir daí funcionam os juízes. Antes disso, está a montante dos tribunais. O Ministério Público faz a investigação, o juiz intervém quando? Só se houver uma prisão, se houver uma busca, se houver uma escuta telefónica.

DN/TSF- Mas já houve buscas, o que quer dizer que neste processo já houve juízes a intervir.
NN- Mas não curiosamente, onde se disse que tinha sido. Houve um lapso aí, a busca não foi onde se disse que tinha sido.

DN/TSF- Se quiser fazer um esclarecimento...
NN- É curioso, porque penso que foi um dos tais lapsos do bastonário."

E pronto. Vamos por partes, porque esta parte tem duas.
A primeira tem a ver com o problema velho que Noronha do Nascimento arrasta consigo de há uns anos a esta parte, sempre por causa da sua discordância pessoal que nunca se cansa de sublinhar em relação ao modelo constitucional de organização do MP e da investigação criminal em Portugal.
A quarta figura institucional do Estado, capricha, sempre que dá uma entrevista, em dizer que não concorda com este modelo e até propõe pessoalmente outro.
Seria fácil dizer, simplesmente, que se trata de uma cretinice, mas a figura institucional ainda se chateia e faz queixinhas a quem não deve. Por isso, não digo explicitamente. Digo apenas que é um dislate que só não tem consequências porque a opinião pública não liga ao que o presidente do STJ diz ou pensa.
Além disso, como o próprio adianta, na Europa há dois modelos desse género. O francês e o espanhol. Por cá, tínhamos copiado o modelo francês que vigorou até finais da década de oitenta do século passado e correu mal, por causas conhecidas e relacionadas com falta de jeito dos juízes para investigar. Além disso, constitucionalmente, era questionado abertamente que os juízes pudessem investigar e julgar. O sistema acusatório impunha outro modelo e por isso foi mudado por Figueiredo Dias no Código de processo penal, a cuja comissão redactora presidiu. NN nunca discute esse pequeno pormenor, como nunca oferece as razões concretas para propôr o seu modelo particular e privativo.
O modelo do Código de 1929 em que NN ainda vive idealisticamente, foi alterado, depois de pensado e reflectido. Desde então, já sofreu várias reformas, a última das quais, da Unidade de Missão de Rui Pereira. Nunca, ninguém, nessas reformas se lembrou de questionar o modelo, sendo NN a única pessoa publicamente responsável por instituições da justiça que tem persistido em afiançar que a marcha ao contrário é que está certa e que todos os outros estão errados.

Além disso e ainda mais: se Noronha do Nascimento estivesse bem informado, saberia que o modelo francês vai acabar em breve e modelo a adoptar pelos granceses será ...o nosso. Se se lembrasse do caso Outreau, entenderia porquê. Se se lembrasse de recentes polémicas com juizes de instrução franceses, por abusos de poder, entenderia ainda melhor. Se olhasse com olhos de ver para o modelo "Garzón", ficaria ainda mais reservado ou então explicaria melhor e com mais fundamento prático e teórico. Mas nunca o fez. À semelhança de um Proença que anda há anos a contestar o modelo do MP sem dizer exactamente porquê e como, lemos sempre essa defesa a outrance do modelo de juiz de instrução, acabado em 1987.

A segunda, também tem a ver com este problema, embora indirectamente.
Apesar de o presidente do STJ e do CSM, não poder ter acesso a informações sobre o processo do Freeport, a não ser em violação de segredo de justiça que lhe incumbe, acima de todos, respeitar, dá nesta entrevista uma informação interessante: afinal as buscas foram noutro sítio que não o que se deu notícia pública.
Quem é que lhe disse isso? Foi alguém da investigação ? Foi alguém de fora dela ? E então o segredo de justiça que se lhes impunha? Veio de outro lado? Não fica esclarecido. [ Um comentador, Santiago, escreve assim na caixa de comentários: "Veio escrito nos jornais que a busca não foi à Sociedade de Advogados de Vieira de Almeida, mas sim ao escritório de uma empresa que ele controlava, cuja sede funcionava na mesma morada.
O bastonário queixou-se de ter havido buscas a escritórios de advogados, mas parece não ter sido assim... ". Pronto. Se a informação veio por aí, está explicado. Mas...]


Porque é que os jornalistas não lhe perguntaram simplesmente: como é que o presidente do STJ e do CSM, Conselheiro Noronha do Nascimento sabe uma coisa dessas, assim com tanta precisão e saber concreto?
É por estas e por outras que isto está como está.

sábado, fevereiro 14, 2009

A aldeia da roupa branca

O Público de hoje, dá conta de que no processo Freeport se cruzam os nomes de investigadores e investigados.

Sobre Cândida de Almeida, coordenadora do DCIAP, aponta o facto de ter pertencido à comissão de honra de candidatura de Mário Soares à presidência da República, em 2006. Este facto, pouco deveria relevar para o efeito de estabelecimento de ligações perigosas. António Cluny também pertenceu.
Mas sendo um facto, releva um parecer que denota um ser: Cândida de Almeida já se declarou de esquerda, abertamente. Como se isso fosse um ponto de honra e a favor. Imagine-se que se declarava de...direita; e pondere-se por uns segundos o que isso lhe traria de dissabores públicos. Ser de esquerda, em Portugal e declará-lo abertamente em certas circunstâncias é garantia de qualquer coisa que não se percebe muito bem. Mas acontece frequentemente, porque o PREC ainda vive na memória de muitos, principalmente dos que mandam e estavam do lado errado, nessa altura.
Cândida de Almeida já declarou publicamente que só tem a honra para deixar aos seus. Invectivando, de caminho, quem lhe lança suspeitas de parcialidade. Era escusado.
A honra de um magistrado ( é disso que se trata) reside exactamente na prova visível e indubitável da imparcialidade e objectividade, aliadas à competência e proficiência prática e concreta na investigação criminal. Nestes casos, o parecer tem necessariamente que coincidir com o ser.

José Luís Lopes da Mota, o magistrado do MP que preside ao Eurojust, foi secretário de Estado, da Justiça, com Vera Jardim, no governo de Guterres e quando era PGR, Cunha Rodrigues; é bom que se diga porque o Público não diz.
Em 2008, houve uma reunião no Eurojust, em Haia, onde foi debatido o caso Freeport e a oportunidade de constituição de equipas conjuntas entre investigadores portugueses e ingleses. Essa circunstância, nunca poderia ficar à margem do conhecimento do governo, porque é isso que diz a lei de 2003.
Lopes da Mota tomou conhecimento concreto das suspeitas e factos alegados na carta rogatória? Parece evidente. A pergunta que é preciso colocar-se é uma e só uma: deu conhecimento desses factos e assuntos, a alguém do Governo, oficiosa, informal ou formalmente?

António dos Santos Alves é outro magistrado do MP, colocado no Eurojust, a quem a pergunta também deve colocar-se, por um motivo simples e sem má-fé: foi inspector-geral do Ambiente, nomeado por Sócrates, na altura em que o Freeport foi viabilizado e participou na reunião em Haia, segundo o jornal.

Fernanda Palma, como membro do Conselho Superior do MP, por nomeação governamental e por subsituição de Rodrigues Maximiano ( marido de Cândida de Almeida, entretanto falecido) aparece no artigo do Público, por ter suscitado uma intervenção nesse órgão colectivo, opondo-se a um voto de solidariedade do Conselho para com os magistrados que investigam o caso. Fernanda Palma é casada com Rui Pereira, o polémico ministro da Administração Interna apanhado em escutas ( no caso dos sobreiros de Portucale) a combinar com o irmão mação, Abel Pinheiro, a substituição de Souto Moura.
A Unidade de Missão a que presidiu, reformou o CPP de modo a evitar esse tipo de escutas e principalmente a evitar a sua publicação, mesmo depois de tudo ter sido julgado ou arquivado. Fernanda Palma escreve todos os Domingos, no Correio da Manhã, artigos de defesa do establishment intelectual do Direito Penal, com incidência particular em casos concretos bem definidos e de actualidade, embora nunca mencionados, mas frequentemente relacionados com a actividade das polícias e da criminalidade a combater pelas mesmas.
Rui Pereira nas escutas mencionadas, dá a entender que teria sido convidado por...Sócrates ( segundo o Público), para substituir Souto Moura.

Júlio Pereira, o duro do SIRP, ligado ao conselho de ministros, fora escolhido por Rui Pereira, entre 1997 e 2002, para director do SIS.

Por fim, Carlos Alexandre, o juiz de instrução do processo e que o Público indica erradamente ser o seu titular ( não é; os Inquéritos têm a direcção do MP e o JIC só intervem pontualmente para deferir ou indeferir requerimentos sobre diligências que contendam com escutas e buscas, para além de interrogatórios de arguidos e determinação de medidas de coacção). O JIC Alexandre aparece nesta resenha do Público como um outsider, o que é uma garantia para todos os demais outsiders. Como nós.
Além disso, conhece o teor das escutas do Portucale. Como nós, não é assim?

Portugal é um lugar pequeno onde as pessoas que olham pelas outras, fatalmente se conhecem. Apesar disso, têm o dever de ser isentas, nas decisões que tomam e pessoalmente as afectem ou colectivamente as condicionem. Porque as outras têm esse direito.
Quem não o conseguir, que saia e dê lugar a outro. E se nem sequer virem a conveniência de tal, que sejam os jornalistas e a opinião pública a lembrarem. É para isso que existem.

A obscenidade do jornalismo televisivo