
Este pequeno livro de Rui Verde, o ex-vice-reitor da Universidade Independente lê-se de um fôlego e num par de horas.
O tema não é apenas o processo aludido, relativo à licenciatura aldrabada e porventura obtida fraudulentamente ( a acusação explícita é mesmo essa) e da putativa destruição da Independente pela dupla conforme de dois políticos do momento, no caso Sócrates-Vara. É mais que isso.
O livrito é um retrato impressivo embora algo fluido de determinado extracto da elite da sociedade portuguesa.
As poucas frases da contra-capa dão o mote e apontam mesmo ao coração do mostrengo que nos domina a vida colectiva: "Em Portugal há um sistema de poder opaco que se entretém em disputas florentinas que levam o país ao caos (...) Esse sistema necessita desesperadamente de dinheiro. Da Europa, de Angola, do Brasil, de Macau, seja de onde for. E domina toda a sociedade e o Estado."
É este o ponto do livro e deveria ser este o pano de fundo para se escreverem mais livros sobre o assunto. Vou ler daqui a pouco outro livro, um pouco mais antigo e sobre o mesmo fenómeno: "Eu, abaixo-assinado", de João de Deus Pinheiro.
Sobre o livrito de Rui Verde quem quiser ler as peripécias da licenciatura de José Sócrates que deveriam ser mais que suficientes para que este, quando era primeiro-ministro fosse expulso de toda a vida política para todo o sempre, pode ler o que António Caldeira escreveu e escreve sobre o assunto que não deveria morrer por aqui e deveria obrigatória e legalmente conduzir á reabertura do inquérito que foi arquivado no DCIAP sobre o assunto. Já tarda, aliás, essa reabertura, perante os novos elementos de facto que são conhecidos e que à luz das disposições do CPP a tal obrigam sob pena de denegação de justiça.
O assunto, porém, parece que já não traz notícia mas continua a trazer laivos de indignação. E continuando na recensão crítica do livrito, temos a páginas 30-31 esta passagem ilustrativa do modo como Rui Verde foi parar à Independente. Recém licenciado em Direito, em 1989, foi primeiro convidado por Luís Arouca para professor de Economia Política na Universidade Autónoma. Refere Rui Verde que de Economia Política tinha umas noções vagas da cadeira que tirara no curso da Católica e por isso leu "em poucas horas" a obra de referência, História do Pensamento Económico de Henri Denis, o mesmo que em Coimbra era aconselhado aos primeiranistas de Direito, nessa matéria. Um livro com capa azul...

Depois de contar sumariamente a história da formação da Independente e de alguns professores que por lá tiveram ( Mário Crespo, Emídio Rangel, Arlindo de Carvalho, Marques Mendes, muito maltratados por Verde), fala dos problemas de gestão da universidade e dos contactos com alguns capitalistas portugueses ( Ilídio Pinho por exemplo e que só dizia para "cortar" , "cortar"...nas despesas) que se frustraram porque Verde não confia que os capitalistas portugueses saibam ser como alguns estrangeiros, mecenas e de mãos largas, só para terem o nome emoldurado em quadros universitários.
Perante essa frustração, Verde envereda por uma análise curiosa do "exercício do poder" em Portugal e escreve assim:

Só depois dessas incursões idiossincráticas polvilhadas com um par de citações é que Rui Verde regressa ao tema da capa do livro: José Sócrates e o fim da Independente.
Rui Verde acredita que José Sócrates não se licenciou devidamente e apresenta fotocópias de documentos que guardou em 2007 no auge do caso da licenciatura. Porque não falou Verde na altura? O mesmo explica que o ia fazer e no mesmo dia em que aprazara uma conversa ( em que confirmaria a manchete do Público sobre o assunto), com a jornalista do Expresso Mónica Contreras...foi preso. Após a prisão, Verde acha que perdeu toda a credibilidade e tanto lhe fazia confirmar tudo como nada. É assim, a explicação. Calou-se porque foi travado, segundo conta e considera por isso ter existido cabala de um certo poder político-judicial para o tramar definitivamente. " Quem vai acreditar num preso que diz que Sócrates não é licenciado?" - pergunta Rui Verde à laia de justificação para o silêncio cúmplice.
Rui Verde acha que os pivots da história de José Sócrates na Independente são Armando Vara, António Morais, o professor das equivalências e das cadeiras que faltavam e ainda um tal Filipe Costa, chefe de gabinete de Alberto Costa, então ministro da Justiça.
Como acredita que houve cabala, mete ao barulho o poder judicial para lhe tentar definir o contorno, de um modo interessante. Rui Verde foi casado com uma juiz que foi monitora no CEJ e assessora no STJ e por essas e outras acha mesmo que a meteram no processo para atingir a magistratura. Quem? Os tais pivots, mais o maioral, o "chefe" que saiu disto tudo airosamente e por causa do poder que temos em Portugal. Incluindo o mediático.
Portanto, a prisão de Rui Verde, para este e segundo o que escreve no livro é um ardil para atingir outros objectivos. E a lógica de raciocínio só esquece uma coisa importante: os factos. Como disse logo no princípio do livro que não ia escrever sobre os factos que o conduziram ao julgamento em que é arguido juntamente com outros, temos uma versão truncada e muito, mas mesmo muito, subjectiva do que se passou.
Contudo, no que se refere à apreciação do poder e de uma certa elite em Portugal, o livro é uma lufada de ar fresco no bafio mediático geral.

Diga-se que Rui Verde considera que os atrasos da justiça penal em Portugal, em vez de serem um mal em si mesmos, constituem uma espécie de válvula de escape para os desmandos, abusos e arbítrios ( de que se sente vítima, claro está) e que as regras minuciosas impedem esses abusos. Por isso mesmo, ao analisar a tal revisão do CPP de 2007, ao contrário do que muitos magistrados disseram, acaba por considerar que tal revisão conferiu ainda mais poder aos "agentes judiciais". "Continua a seguir-se a tradição germânica- que tanto jeito deu a Hitler- das cláusulas indeterminadas ou gerais, o que é inaceitável em termos jurídico-penais."
Perante tal código acha mesmo que "Nunca foi tão importante saber o que os juízes comeram ao pequeno-almoço, com que disposição vão para o tribunal. A ciência do Direito é cada vez menos ciência e mais psicologia judiciária. Um horror."
Desconfio, com estes dizeres que Rui Verde se dá muito bem com Marinho e Pinto...apesar de ter confessado no livro que não conhecia o código e que só por lhe terem perguntado coisas sobre o assunto, na prisão, se deu ao cuidado de o ler.
Ora ler um código com tantos artigos, conceitos, princípios, doutrina, teoria é coisa que mesmo para um licenciado em Direito, antigo professor de Economia Política se torna tarefa muito, muito difícil.
Devo por isso concluir que Rui Verde sabendo obviamente ler, precisa de um mestre que lhe diga como ler. Porque não basta ler: é preciso perceber, entender e concluir. Rui Verde terá lido o Código de Processo Penal como releu o livro de Henri Denis, em "poucas horas"? Acredito que sim...