Em Agosto de 1974 alguns empresários tentaram lançar iniciativas económicas apesar do clima revolucionário que se desenvolvia em modo acelerado num autêntico processo revolucionário em curso para o socialismo. O Expresso de Agosto desse ano noticiava assim a iniciativa:
De repente, em poucos meses, as pessoas em Portugal tinham à sua disposição uma grande oferta de livros, revistas e jornais que veiculavam as ideias de Esquerda comunista.
Os livros, raros, que procuravam explicar os acontecimentos recentes à luz da ideologia do regime anterior, eram subalternizados por essa literatura que se impunha ao leitor desprevenido. O livro de Marcelo Caetano, Depoimento, foi completamente cilindrado pelas inúmeras obras sobre o "comunismo científico" ( , incluindo uma tradução do russo ( por André Gaveto) do livro de P.N. Fedoseyev, "O comunismo científico e os seus falsificadores", publicado em Novembro de 74 e ainda outro pequeno livro com citações de Marx, Engels e Lenine, "O socialismo científico". publicado na mesma altura pelas edições Avante. Todos estes livros "científicos" são susceptíveis de ser encontrados em feiras da ladra ou do livro, actuais.
Um dos primeiros livros a ser publicado ( logo em 15 de Maio de 1974, sendo tradução de uma edição de americana- o autor era professor na Universidade de Santa Bárbara, California- de 1967, intitulada Today´s Isms) ) com intuitos didáticos ( o livro era apresentado como "um pequeno manual de ciência política"), foi este:
Neste panorama geral da imprensa era quase impossível conter a vaga do PREC, para gáudio de muitos que agora se espraiam em comentários nos media sobre economia e política, como por exemplo um Pacheco Pereira.
O único jornal "resistente" a esta mudança de paradigma social e político era o Bandarra, dirigido por Manuel Múrias que depois fundaria A Rua. O Bandarra foi literalmente queimado na rua, pelos contra-manifestantes do 28 de Setembro de 74 e na sequência da onda de prisões que então se realizaram, dos "numerosos fascistas", como Artur Agostinho, num episódio já aqui contado.
Assim, a inciativa do MDE/S, de alguns capitalistas portugueses que ainda faziam que acreditavam no futuro económico do país, em termos ocidentais e europeus ( nenhum outro país, nesses anos, passou pelo que nós passamos enquanto nação a caminho do socialismo e da sociedade sem classes, proclamada na Constituição de 1976) ia contra a maré, porque a onda era esta, como se escrevia no Diário de Lisboa de 12.7.1974, num artigo de Eugénio Rosa ( ainda anda por aí...):
Em 31 de Agosto, o conhecido Vítor Constâncio, um dos pais da nossa desgraça ( o descalabro do BPN ficou a dever-lhe tudo em omissão) reconhecia ao Sempre Fixe que já estávamos mal e a caminho do pior porque a fuga de capitais aliada ao aumento dos preços das matérias- primas e do petróleo, mas a quebra das receitas do turismo ( a visita de Sartre e Moustaki pouco trouxe de significativo ao turismo nacional...) iria ter consequências graves a breve trecho. Como teve e Constâncio já sabia, mas era socialista. Democrático é que ainda seria duvidoso.
Neste contexto de crise económica estabelecida e para durar por muitos e bons anos ( de facto, até agora, como se verifica, porque as raízes profundas do nosso atraso em relação à Europa e à Espanha em particular, estão aqui mesmo nesta época de alguns meses dominada pelo PCP e a Esquerda em geral), o que se fazia em Portugal? O PREC, voilà. A luta a caminho do socialismo e da sociedade sem classes, ideia utópica em que enfileirou muita gente, com capacidade e juízo para pensar melhor.
Em Março de 1975 deu-se o culminar do PREC económico com o início do processo das nacionalizações, etapa-chave daquele caminho para amanhãs a cantar e que hoje, afinal, choram ou gritam contra a "troika". Já nessa altura, o dinheiro passou a ser do povo, tal como hoje querem os syrizas e comunistas. Os socialistas, esses contentam-se com a sua fabricação, "sempre que for preciso".
Os media e a imprensa em geral , em 1975 era quase tudo socialista ou comunista, sem grandes excepções e veiculavam todos os dias estas ideias. Em Maio de 1975 apareceu O Jornal, dirigido por jornalistas em organização tipo cooperativa. De Esquerda "democrática" como então se dizia, mas sempre aliados dos comunistas na luta contra o capitalismo, sistema execrado e vilipendiado pelos mesmos.
Para se perceber quem eram os jornalistas mais importantes de então e onde estavam é ler est artigo de O Jornal de 16.5.1975 ( o nº 3 do O Jornal, dirigido então por Joaquim Letria):
Pode dizer-se então que andavam todos embriagados em revolução? Nem tanto, porque os comunistas e syrizas também tinham os seus economisas formados nas escolas "burguesas" e é por isso que na revista O Tempo e o Modo de Outubro de 1974, dirigida então pelo MRPP, vinha assim um artigo, onde se reconhecia o dealbar do descalabro que nos atingia já nessa altura:
E tal adiantou o quê, afinal? Mudança de rumo, porventura? Qual quê! O PS avisava logo em Janeiro de 1975 que não contribuiria para a instauração de uma "democracia burguesa"! Mas já se preocupava com a "unicidade" e a "unidade" sindical...
Portanto, nos meses que se seguiram, em rompante crise económica, em vez se se resolverem esses problemas, com um regresso ao sistema de produção de bens capitalista e apoio aos empresários que tinham capital para investir, deu-se o contrário, com todo o apoio da Esquerda alargada: aprofundamento da luta ideológica e política, como se pode ler na pequena história do jornal República, um feudo socialista, dirigido por Raul Rego e com redacção escolhida em conformidade. O problema era que os "gráficos" da tipografia eram de outra seita e o partido estava empenhado em manter as "amplas liberdades", desde que fossem todas sintonizadas com o ideário do comité central...
A história suscitou em Maio de 1975, o interesse do Jornal Novo, dirigido por Artur Portela Filho, uma lufada de ar não comunista nem socialista no panorama abafado da imprensa portuguesa da época ( José Saramago, como se pode ler acima, já tinha tomado conta do Diário de Notícias ou estava prestes a fazê-lo).
Mário Soares, sempre o mesmo kerenski, lamentava-se então profundamente no mesmo jornal, da "discriminação"...e foi esse sentimento que o animou provavelmente a abrir mais os olhos e lutar contra o PREC comunista e que desembocou no 25 de Novembro desse ano de 1975. A luta de Mário Soares tem assim uma explicação: sobrevivência política, acima de tudo. No entanto, o mito de "pai da democracia" parece que continua a frutificar nas sendas do actual regime e leva à condescendência geral para com o putativo.
Passado o 25 de Novembro poderia a situação no país ter tomado outro rumo económico?
Poder, podia, mas...mas não seria a mesma coisa e o PS não deixou. Tomou as rédeas do poder e como ainda acreditava que poderíamos caminhar para a tal sociedade sem classes ( aprovou assim a Constituição e não deixou que lhe mexessem durante mais de dez anos), a situação económica ficou assim, logo em 1976, como conta Francisco Sarsfield de Cabral ( ainda comenta nas tv´s) no O Jornal de Maior de 1976:
Perante este quadro negro da economia, o mesmo Sarsfield e outros podiam ter contestado o regime que caminhava alegremente para a sociedade sem classes, mas não. Não o fizeram então e contentaram-se com este panorama retratado já no mesmo O Jornal de 5 Janeiro de 1976:
Portanto, em conclusão: temos o que merecemos? Temos aquilo que alguns merecem, sem dúvida. Mas não aquilo que um povo todo merecia.
E quem nos atirou para este buraco anda por aí, governa, quer voltar a governar e não há ninguém com autoridade, mormente o povo em eleições que lhes diga: BASTA!
E principalmente não há ninguém que conte ao povo, com clareza suficiente o que se passou em 1974-75 para que a História não se volte a repetir. Agora como farsa, pelo que estamos a assistir ( até Pinto Balsemão já declarou estes dias que estamos a viver tempos parecidos com o PREC).
Haja alguém que diga claramente nas tv´s que os comunistas fizeram isto que temos à vista e querem voltar a fazê-lo e que para os mesmos e os syrizas o princípio antigo continua válido: quanto pior Portugal estiver, melhor para eles.
E como a agit-prop sempre deu alguns resultados é isso que andam a fazer: a agitar as massas para conseguir maior poder. Por enquanto um poder "burguês", mas depois um poder popular que foi sempre isso que desejaram e nem o escondem sequer.