domingo, março 24, 2013

O nojo e a decência

Comprei hoje o Público por causa de um artigo desenvolvido sobre António Borges, o guru do liberalismo económico que aconselha o governo.
Não li o jornal porque já não o consigo ler. O Público é um jornal morto e ainda não sabe que o é, porque não há vida naquelas páginas de artigos bafientos.
O editorial, sem assinatura concreta e por isso imputável à directora que enterrou o jornal, ainda com ténues sinais vitais, exprime opinião sobre a contratação de José Sócrates para a RTP. Os argumentos são do mais puro jacobinismo:
"José Sócrates, o émulo de Fontes que apontou para um país futurista criado com a ilusão da dívida, está de volta para provar que continua a ser uma das mais consistentes fontes de polémica da história recente do país. Neste seu papel, é normal que se discutam os méritos do seu regresso e os efeitos secundários que terá na vida pública ou que se questione o convite da RTP. O que não faz sentido é dar ouvidos aos que dizem que os seus "crimes" políticos exigiam como pena o seu afastamento definitivo do espaço público."

Ora bem, passemos imediatamente a outro personagem do nosso entertainment político-social para perceber a hipocrisia jacobina desta gente: parece que Dias Loureiro terá sido igualmente convidado para  comentador residente da RTP e recusou tal convite. O que escreveria a direcção do moribundo jornal se Dias Loureiro tivesse aceite tal convite?
É fácil de dizer porque a lógica hipócrita se revelaria em todo o esplendor: diria que era indecente e que tal personagem não tem lugar no comentário social actual, a não ser para ser castigado pelos males do BPN e outros que vierem por arrasto. Que não haja a mais pequena dúvida que a coveira do jornal escreveria tal coisa com o desplante com que o faz agora relativamente a este episódio.
E curiosamente faria bem. Porquê?

Porque, como se diz no Eclesiastes, "há um tempo para tudo" e socialmente a política deve obedecer a critérios mínimos de decência e é preciso um período de nojo para tais fenómenos, se extemporâneos, não meterem nojo real e náusea política.

José Sócrates tem direito a intervir no espaço público? Claro. Como qualquer cidadão. Até a directora do Público o tem.
José Sócrates tem o direito de se fazer convidado por uma estação pública de televisão ou aproveitar um oportuno convite ou ainda minar o seu "sistema de contactos" para tal suceder? Não. Agora, ainda não. E porquê?

Porque José Sócrates governou o país até há escassos dois anos. A herança que deixou é não só polémica mas envolta em nebulosidade política e com contornos criminais. Tal como Dias Loureiro que também governou pastas ministeriais e influenciou politicamente órgãos decisores da política nacional e fez parte do Conselho de Estado até há bem pouco tempo. Ambos foram suspeitos de comportamentos criminais e por razões que o tempo e a História explicarão melhor, tem-se safado de responder perante um tribunal. Até lá, são inocentes de malfeitorias criminais e por isso com direito a expressão público-mediática sem restrições de maior. No entanto, Dias Loureiro não tem a mesma condescendência mediática que o outro. Porquê? Nem é preciso responder porque todos o sabem: não é de esquerda nem socialista-cabalista e porventura nem sequer de maçonarias regulares.
Por outro lado, a principal razão ainda poderá ser de outro teor que revela o jacobinismo e hipocrisia da directora do moribundo jornal: José Sócrates não aparece a comentar do mesmo modo que outros líderes aparecem e são convidados para esportularem opiniões e pareceres baseados na sua experiência. Tal efeito, os apaniguados de José Sócrates já o apresentaram para justificar algo também injustificável e nebuloso: a contratação para consultor da Octapharma.  José Sócrates não vai para comentador da RTP como inocente ex-político cuja experiência pode ainda aproveitar aos cidadãos crédulos e esquecidos do que o mesmo fez como governante. Vai, sim, para aproveitar o efeito mediático da exposição. José Sócrates, é bom lembrar, já foi comentador televisivo antes de ser governante e porventura essa exposição ajudou e foi a base da notoriedade que alcançou e o alcandorou à direcção do partido que António Vitorino então não quis.
É esse efeito que José Sócrates pretende novamente provocar, sem atenção ao tempo que passou e confiado que os seus dotes de manipulador e mentiroso compulsivo o conduzirão ao mesmo lugar de mando e poder.
Esse efeito que é evidente e só não vê quem não quer, é o impedimento mais forte para que um indivíduo assim tenha visibilidade público-mediática numa estação pública de televisão, paga por todos e envolvida em polémicas sobre serviço público.
O que a RTP faz neste caso é apenas um frete político, obsceno, nojento e inadmissível em democracia.

Quem não entende isto é "socratista". Como a directora do Público, cuja decência há muito foi deixada na cova que cavou para o jornal.

2 comentários:

zazie disse...

Exactamente. Excelente explicação.

Não é em 2 anos que se torna passado, sem haver sequer contas prestadas nem vida justificada.

Quem não percebe isto, mais que socretino, é estúpido.

Floribundus disse...

segundo um economista, favorável ao endividamento, a dívida contraída por fontes só terminou depois de 25.iv

não tenho nada a criticar ao pinóquio, a mais brilhante figura política portuguesa de todos os séculos

um 'bestunto' privilegiado como o seu não vai mencionar a diminuta dívida do rectângulo
quando dirá que é facto de somenos importância
e que convém aumentá-la da melhor maneira

A obscenidade do jornalismo televisivo