terça-feira, julho 15, 2014

BES e GES em Tribunal penal? Sim...e por que crimes?

Observador

Mesmo com a informação incompleta conhecida até hoje, é evidente que já há razões mais do que suficientes para levar os anteriores principais responsáveis do GES e do BES a tribunal.

Entendo que seria muito benéfico para o interesse público que houvesse uma acusação conjunta do Ministério Público, do Banco de Portugal e da CMVM, por duas razões. Não sei se isto é inédito, mas parece evidente que uma acusação conjunta daria muito mais força à acusação.

Em segundo lugar, permitiria uma acusação de superior qualidade. O Ministério Público tem sobretudo competências jurídicas e o Banco de Portugal tem uma capacidade elevada em termos económicos, financeiros e contabilísticos, para além de um conhecimento especializado da legislação sobre o sector financeiro. Por seu turno, a CMVM domina a legislação sobre protecção dos investidores. A união destas competências conseguiria certamente formar uma acusação de muito maior qualidade do que acusações separadas de cada uma destas instituições.

Em termos económicos, os comportamentos do GES e do BES, em óbvio conluio, criaram um grave problema de risco sistémico. Este tipo de risco pode, com extrema facilidade, estender-se a todo o sistema bancário, razão pela qual é designado de sistémico. Foi também por isso que o BPN não foi liquidado, como merecia.

Por seu turno, o risco sistémico pode afectar milhões de depositantes e pôr em risco o normal fluxo de crédito à economia. Isto poderia colocar em causa não só a sobrevivência de, no mínimo, dezenas de milhares de empregos, como provocar um rombo significativo nas contas públicas, criando mesmo a possibilidade de um segundo resgate ao Estado português, com graves consequências para todos. É impossível sobrevalorizar a gravidade dos comportamentos dos dirigentes do GES/BES.

Em termos financeiros, mesmo com as medidas de contenção já aplicadas pelo Banco de Portugal, são evidentes os estragos que as ilegalidades cometidas no GES/BES já provocaram não só a nível nacional como mesmo no plano internacional. O que aconteceria se as autoridades não tivessem parado esta gestão antes do desastre final?

As manobras contabilísticas do GES/BES poderão ser facilmente desmontadas pelo Banco de Portugal, pela forma como, sonegando informação, prejudicaram gravemente terceiros.

Finalmente, a CMVM deve intervir no sentido de proteger, na medida em que tal ainda seja possível, os outros accionistas do BES, das extraordinárias perdas que têm sofrido.

Aparentemente, o GES deverá apresentar um plano de restruturação a 29 de Julho. Não é possível ficarmos mais duas semanas a assistir impávidos a esta catástrofe. O Banco de Portugal deverá forçar o GES a apresentar rapidamente os traços gerais deste plano, para tentar aclamar os mercados. Tudo indica este plano estabelecerá que o GES deixará de ter acções do BES. É muito importante que isto fique definido antes da assembleia geral do BES, a 31 de Julho, devendo o GES ficar inibido de votar nesta assembleia, devido a todos os atropelos aos direitos dos outros accionistas que perpetrou.

Os restantes accionistas do BES foram altamente lesados por tudo o que o GES fez e deveriam pedir uma indemnização significativa por isso. É evidente que o GES não tem fundos para pagar essas indemnizações mas, pelo menos, essas indemnizações fariam parte do conjunto das responsabilidades do GES e poderiam ser parcialmente pagas. Os obrigacionistas do BES, que também estão a ver o seu património derreter-se, também poderiam juntar-se à “festa”.

É muito provável que o novo accionista principal do BES queira mesmo mudar o nome da instituição, para a colocar a salvo de todas as terríveis notícias que se deverão seguir nos próximos meses, associadas ao nome “Espírito Santo”.
Investigador do Nova Finance Center, Nova School of Business and Economics

Como já escrevi por aqui, para que alguém possa responder criminalmente em tribunal é necessário, antes do mais, que haja crimes cometidos e que estejam previstos e punidos anteriormente por leis penais. Não há crimes fora do catálogo e por isso não adianta nada ler estes artigos a reclamar intervenção dos tribunais criminais quando os crimes não existem legalmente considerados.

Em artigos deste género, certos economistas que de Direito Penal devem ter aprendido em cadeiras partidas e desconjuntadas em algumas semanas, fartam-se de perorar de uma cátedra que não lhes pertence, sobre crimes confusos nas ideias peregrinas sobre malfeitorias econónmicas.

Os crimes de natureza económica previstos no Código Penal que temos são muito parcos e concisos e praticamente resumem-se a meia dúzia de artigos, se tanto, relativos a insolvências consumadas e com processos já em tribunal e sentenças condenatórias prolatadas. Ou seja, nada disto se aplica aqui.

Pelo caso BPN que para muitos daqueles perorantes da Economia catedrática foi "um caso de polícia", pode ver-se a extrema dificuldade em imputar a prática de crimes específicos relacionados com a actividade criminosa dos administradores do banco. No fundo, as acusações contra Oliveira e Costa e seus próximos na administração não se dirigiram ao coração das malfeitorias bancárias, porque teriam sempre que pressupor uma insolvência ou falência, mesmo negligente e tal não aconteceu porque José Sócrates e o seu Governo tiveram muito, mas muito medo do "risco sistémico", esse papão que agora não pega.
Então o que acontece nestes casos e em matéria criminal? Geralmente a criminalidade económica para ser praticada em escala apreciável carece de crimes instrumentais, como sejam as falsificações de documentos ou burlas. E isso são crimes específicos que levam muitas vezes a condenações que deveriam abranger matérias mais vastas e importantes e que não se restringem aos crimes instrumentais.

Por exemplo, o crime de abuso de bens sociais, que em França é muito usado nestes casos, por cá, nem se fala.

Em 1983, a iminência da segunda bancarrota, a inflação galopante, o contrabando e o açambarcamento mais a especulação que deram  muito dinheiro a ganhar a muitos comerciantes, obrigou o governo de Mário Soares a publicar legislação prevendo crimes contra a economia. Foi o DL 28/84 de 20 de Janeiro.

Relativamente à actividade bancária, tal diploma é quase inócuo na medida em que prevê a fraude na obtenção de crédito, mas do ponto de vista do "cliente"...e punido com pena mixuruca.
A criminalidade económico-financeira de alto coturno, em Portugal, tem rédea solta porque...não há crimes que se lhe apliquem. Os abusadores de bens sociais das firmas estão sempre seguros que podem passar os bens para terceiros ( Dias Loureiro parece que regressou à condição pindéria de onde proveio, por exemplo) sem que nada lhes possa acontecer. Os altos depositantes na Suíça podem sempre contar com os RERTS que forem precisos, mesmo que deixem ficar "la petite monnaie" a quem de direito...
O nosso país é um paraíso económico  para estas pessoas. 

Assim, resta o direito contra-ordenacional, previsto em legislação avulsa e conhecida do Banco de Portugal que permite a punição através de coimas, coisa com cheiro administrativo e sem relevância ou dimensão penal.
Porém, tendo em conta o que sucedeu nos casos BPN e BCP é de temer o pior e que a instituição vetusta encarrege certas firmas de certos advogados de resolver as questões, a troco de alguns milhões...quando tem ao seu serviço um departamento jurídico que para isto serve para nada, segundo parece.

Questuber! Mais um escândalo!