terça-feira, fevereiro 28, 2017

Angolanos, MºPº e regras de (in)sensatez

Em primeiro lugar em que consiste o crime de branqueamento de capitais?

Vejamos, com ajuda do STJ:


"A designação mais comum para significar as fases, etapas, ou possíveis operações de branqueamento de capitais, é a adoptada pelo GAFI, que distingue três etapas, designadas na terminologia inglesa habitualmente usada por placemen, layering e integration(fases de colocação, circulação e de integração), tendo inspirado a Convenção de Viena e em consequência o legislador português, que seguiu aquela muito de perto.
     A primeira fase – placement – consiste na colocação dos capitais no sistema financeiro, seja em instituições financeiras tradicionais ou noutras.
    A segunda fase — layering — consiste na realização de várias transacções, com vista a criar várias «camadas» (layers) entre a origem real e a que se pretende visível, para assim dissimular a origem dos fundos. O objectivo é o de interromper o chamado paper trail, ou seja, o conjunto de elementos documentais que permitem a reconstrução dos movimentos financeiros efectuados.
     A terceira fase — integration — é o investimento (ou, na terminologia dos autores italianos, o «emprego» dos fundos), já «lavados», nas mais variadas operações económicas (p. ex., a compra de imóveis ou metais preciosos), numa perspectiva designadamente de longo prazo.

O “Branqueamento”, sem mais, (nomem assumido com a codificação em 2004, presente na epígrafe do artigo 368.º-A, do Código Penal) pressupõe, actualmente, um facto ilícito típico (dantes, um crime em sentido técnico) anterior, que tenha produzido vantagens (com a definição do texto explicativo do n.º 1, com a inclusão dos producta sceleris e ainda dos bens que com eles - factos ilícitos típicos - se venham a obter).

O branqueamento de dinheiro, para utilizar uma fórmula simplificada, supõe uma infracção principal (predicated offence), com outras, variadas designações, ao nível do direito europeu e internacional, como crime prévio, crime originário, delito pressuposto, crime-base, crime primário, crime antecedente, crime precedente, facto referencial, crime designado, infracção subjacente, facto ilícito típico (designação presente nos n.º 1, 5, 7, 9 e 10 do artigo 368.º-A do Código Penal, embora com simultânea referência, no n.º 1, a “infracções” referidas no n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 36/94, estando o termo “infracções” igualmente presente no n.º 2, e ainda a expressão “infracção subjacente” no n.º 4), todas a significar a actividade criminosa (ou ilícita típica) de origem dos bens, a infracção cuja receita está na origem do branqueamento, e a juzante, uma infracção criminal secundária, um pós delito, propriamente, o branqueamento.
     O critério actual de definição do facto ilícito e típico de que decorre a vantagem é misto, conjugando um catálogo de crimes, uma cláusula geral reportada à gravidade da infracção principal, valorada pela pena aplicável (puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a 6 meses ou de duração máxima superior a 5 anos) e ainda uma remissão (já presente desde 1995 – artigo 2.º, corpo, do DL n.º 325/95) para um elenco de infracções constante de lei avulsa (Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro).
     Actualmente o facto precedente não tem que constituir um crime em sentido técnico (um ilícito - típico culposo e punível), mas um simples ilícito - típico, prescindindo, pois, do carácter culposo e punível.
     A actividade de branqueamento é uma criminalidade derivada, de 2.º grau ou induzida de outras actividades, pois só há necessidade de “branquear” dinheiro se ele provier de actividades primitivamente ilícitas.
     O branqueamento de capitais constitui uma criminalidade derivada ou de segundo grau, no sentido de que tem como pressuposto a prévia concretização de um ilícito.
     Esta relação do branqueamento com o facto precedente, a relação genética entre a lavagem e o crime gerador das receitas, lucros necessitados de branquear, não impede a afirmação da autonomia do branqueamento.
     O branqueamento de capitais pode ser caracterizado como um tipo derivativo, secundário, acessório ou «de conexão», sendo, neste ponto, em tudo análogo ao favorecimento pessoal, à receptação e ao auxílio material ao criminoso, visto que todos estes tipos legais fazem em parte derivar o seu conteúdo de ilicitude, embora nem sempre da mesma forma, do facto principal, podendo denominar-se todos estes tipos que pressupõem um ilícito-típico anterior de «adesões posteriores» ou «pós factos».
     O crime de branqueamento de capitais é estruturalmente autónomo da criminalidade subjacente.
     Desde que se tenha verificado a prática do crime-base e sejam praticados actos subsumíveis ao tipo de branqueamento, este ganha autonomia, no sentido de que o respectivo agente será penalmente perseguido mesmo nos casos em que, por exemplo, o autor do crime-base seja penalmente inimputável, morra, ou o procedimento criminal por tal crime se encontre prescrito.
     Pode haver “crime de branqueamento”, mesmo que os factos subjacentes não sejam criminalmente puníveis.
    Acolhendo os ensinamentos de Figueiredo Dias, o conceito de facto ilícito típico é introduzido no Código Penal, aquando da terceira alteração, operada pelo DL n.º 48/95, de 15 de Março, surgindo associado ao pós delito, na definição dos crimes de receptação e auxílio material (artigos 231.º e 232.º), e em consideração a juzante, ao aproveitamento dos resultados do crime, na declaração de perda a favor do Estado dos producta sceleris (artigos 109.º, 110.º e 111.º), ou numa outra perspectiva relacionada com medidas de segurança (artigo 91.º em conexão com artigo 20.º).
     Já antes a categoria estava presente no artigo 35.º, versando perda de objectos, do Decreto-Lei n.º 15/93.
     Com a codificação do branqueamento em Abril de 2004, o facto precedente passou a designar-se facto ilícito típico, designação presente nos n.º 1, 5, 7, 9 e 10 do artigo 368.º-A do Código Penal.          
A punição pelo crime de branqueamento tem lugar ainda que os factos que integram a infracção subjacente tenham sido praticados fora do território nacional, ou ainda que se ignore o local da prática do facto.
     Ultrapassada a definição do locus commissi delicti tradicional, é irrelevante o local do cometimento do crime precedente; a punição pelos crimes de branqueamento abrange expressamente os casos em que os factos que integram a infracção principal tenham sido praticados fora do território nacional ou se desconheça o local do seu cometimento.

A punição do branqueamento de vantagens, prescindindo do território nacional como lugar único da prática dos factos que integram a infracção subjacente, prescinde igualmente da punição do autor do facto precedente ou mesmo do conhecimento da sua identidade.
     A punição do branqueamento não pressupõe que tenha de existir agente determinado ou condenação pelo crime subjacente.
     A lei exige apenas o conhecimento da prática da infracção principal, e não a sua punição.
     O crime de branqueamento e a respectiva reacção penal são autónomos em relação ao facto ilícito típico subjacente. Assim, não importa que este último não tenha sido efectivamente punido, por exemplo por inimputabilidade penal do agente, morte deste, prescrição, ou simplesmente, impossibilidade de determinar quem o praticou e em que circunstâncias.
     O tipo do branqueamento exige apenas que as vantagens provenham de um facto ilícito-típico, não de um crime, donde a punição do branqueamento não depende de efectiva punição pelo facto precedente."

 Comentário:

 O crime de branqueamento imputável aos gozosos angolanos que por cá depositam e investem o seu capital assenta em que bases? 

Álvaro Sobrinho, Isabel dos Santos, Manuel Vicente, Kopelika e outros angolanos do poder político e empresarial, branqueiam capitais em Portugal praticando este crime típico, ao comprarem apartamentos no Estoril ou investirem em empresas através de sociedades que dominam? 

Parte-se do pressuposto que sim, relativamente a alguns deles e excluindo outros, como Isabel dos Santos. Porquê? Que diferença existe entre eles? A de uns serem denunciados pelo poder de oposição política em Angola e outros não? 

No entender do STJ é necessário que por trás do capital cuja origem se investiga esteja um crime pelo menos típico, prescindindo da culpa e da punição. 
Uma coisa parece certa: é preciso sempre imputar ao autor a prática de factos que constituam um crime, independentemente do lugar em que ocorreram. Mas é preciso pelo menos fixar factos relativos a tal crime e portanto, tempo, lugar e modo, sob pena de se inventarem infracções plausíveis mas incertas e inelegíveis para configurar o facto. Nenhum tribunal será capaz de condenar alguém por isso e a lei obriga a que o MºPº só acusa quando há probabilidade de condenação. De contrário, poderá até existir prevaricação.

O MºPº em Portugal pode averiguar estas circunstâncias de tempo, lugar e modo, relativamente aos crimes-base, primários, ocorridos com toda a probabilidade noutro Estado, mormente Angola? 
Como? Através de cartas rogatórias às autoridades angolanas para estas investigarem os factos que nem se conhecem ao certo e são genéricos e apontam apenas para a corrupção em sentido lato e abrangente? 

Isto é exequível juridicamente, sem se inventarem factos ou circunstâncias e principalmente terá alguma validade em termos de julgamento em Portugal? 

Se não tem, porque se investiga o que se sabe à partida não ter solução prática e a lei impede que tenha? 
Para criar problemas do género surgido com o magistrado Orlando Figueira, agora acusado de corrupção em conjunto com o corruptor angolano Manuel Vicente que se estivesse quietinho nem problemas teria e veria todos os processos arquivados como o foram os demais, com aquiescência hierárquiva e fatalmente concordância de quem aparentemente não concordava mas acabaria por concordar ( estou a referir-me a colegas do magistrado Orlando)?

Este senso comum ausentou-se do Ministério Público ou há alguma coisa que escapa? 

O Expresso desta semana:


 
E algumas glosas sem grande substância:



Alguns factos gozosos entre o regime angolano e Portugal

 Em primeiro lugar os factos em causa ( faltam todos os que respeitam à princesa Isabel, mas seriam uma réplica aparentada destes):

 
I. Sobre Álvaro Sobrinho:


JN, em 28.12.2012:

Numa declaração publicada no jornal "Sol" e justificada com "o interesse fortemente manifestado por diversos comentadores ligados a vários órgãos de comunicação social", o gestor angolano adianta que a Pineview Overseas "é detida em partes iguais pelos cidadãos" Carlos de Oliveira Madaleno, Generosa Alves dos Santos e Silva Madaleno, Álvaro de Oliveira Madaleno Sobrinho, Sílvio Alves Madaleno e Emanuel Jorge Alves Madaleno, todos da sua esfera familiar.

A Sílvio Alves Madaleno cabe a presidência da Newshold, detentora do jornal "Sol" e de 15% da Cofina (dona do Correio da Manhã e do Jornal de Negócios) e 1,7% da Impresa. 

(..)
 Através de sociedades por si detidas maioritariamente, possui ainda uma participação social de cerca de 3% na sociedade Espírito Santo International, que controla a Espírito Santo Financial Group (maior acionista do BES), a qual, por sua vez, controla o Banco Privée Espírito Santo, entre outros.


Expresso 4.6.2015:

Álvaro Sobrinho subiu ao estrelato no mundo dos negócios pela mão de Ricardo Salgado. Fez carreira na banca. Começou no BES como director e chegou a presidente executivo do BES Angola, em 2001, onde ficou até Outubro de 2012.
Um banco que acabou por central na derrocada do BES e levou Álvaro Sobrinho a sentar-se na Comissão Parlamentar de Inquérito ao BES/GES, em Dezembro de 2014, para explicar a atribuição pelo BESA de créditos pouco claros no valor de €5,7 mil milhões concedidos na sua gestão, alguns sem garantia nem identificação do destinatário, outros a que se perdeu o rasto.

Angolano, nascido em 1962, Álvaro Sobrinho tem protagonizado vários investimento em Portugal. É dono dos jornais “Sol” e “I”. Tornou-se maior accionista do Sporting Clube de Portugal, comprou as conservas da marca de atum "Bom petisco". Faz sempre as compras através da Newshold Group. Na CPI fez questão de dizer que já era rico quando veio estudar para Portugal
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 zap:

A justiça portuguesa penhorou cinco apartamentos de luxo em Cascais ao empresário angolano Álvaro Sobrinho, no âmbito da investigação em torno de suspeitas do branqueamento de, pelo menos, 80 milhões de euros.

O Correio da Manhã salienta que o processo que decorre no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) motivou o arresto dos imóveis de Álvaro Sobrinho no Estoril Sol Residence, em Cascais, de modo a “garantir o pagamento de um valor ainda não totalmente apurado”.

Até agora o Ministério Público apurou que o empresário angolano, que foi presidente do BES Angola, terá branqueado um valor da ordem dos 80 milhões de euros.

Os apartamentos de luxo foram convertidos em definitivo a favor do Ministério Público em Maio passado, conforme adianta o Correio da Manhã.

Só um desses imóveis estaria ainda em nome de Álvaro Sobrinho e da esposa, enquanto os restantes estariam no nome dos filhos do casal.

Álvaro Sobrinho é o maior accionista individual da SAD do Sporting, dono dos jornais Sol e i e das conservas de atum Bom Petisco
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DN, 8.7.2016:

Foi dado provimento ao recurso do empresário luso-angolano e antigo director do Banco Espírito Santo e do BES Angola

O Tribunal da Relação de Lisboa voltou a levantar o arresto de bens do empresário luso-angolano Álvaro Sobrinho num caso alegadamente relacionado com branqueamento de capitais, disse hoje à agência Lusa fonte do TRL.

A decisão foi tomada na quinta-feira pela Relação de Lisboa e deu provimento a um recurso interposto pelo empresário luso-angolano e antigo director do Banco Espírito Santo (BES) em Lisboa e do BES Angola, e pela empresa Grunberg Portugal, Unipessoal, Lda., cuja actividade económica está relacionada com a compra e venda de bens imobiliários.

Segundo a fonte da Relação, o tribunal deu provimento a um recurso interposto por Álvaro Sobrinho e por aquela empresa, revogando um pedido de arresto de bens promovido pelo Ministério Público (MP) e confirmado pelo juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal Carlos Alexandre.

Esta é a segunda vez que o tribunal dá razão aos recorrentes depois de o Ministério Público e o juiz Carlos Alexandre terem recorrido da primeira decisão da Relação que, em Novembro de 2015, já tinha determinado o levantamento do arresto de bens do empresário luso-angolano.Em 2014, o Correio da Manhã noticiou que cinco apartamentos de luxo em Cascais de Álvaro Sobrinho foram arrestados e convertidos em definitivo a favor do Ministério Público, adiantando que o ex-presidente executivo do BES Angola era suspeito de branquear 80 milhões de euros, numa investigação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).


Em Novembro de 2015 tinha havido outra decisão da Relação, no mesmo sentido ( e relatada por Rui Rangel)


 idealista news, 2.12.2016:

O empresário angolano e ex-presidente do BES Angola, Álvaro Sobrinho, acaba de ser alvo de uma nova apreensão de bens devido a alegados crimes de abuso de confiança qualificado, burla qualificada e branqueamento de capitais, por parte do Ministério Público. Em causa está o arresto de 22 imóveis, em nome de Sobrinho e de cinco familiares seus, que estão avaliados em cerca de 20 milhões de euros.

As suspeitas sobre Álvaro Sobrinho decorrem de escutas telefónicas com Ricardo Salgado e um general angolano, segundo conta o Observador, dando nota de que esta é quarta apreensão a que o empresário angolano é sujeito, tendo esta última sido determinada a 18 de Outubro.

Estes imóveis, localizados em Portugal, terão sido adquiridos pelo clã de Sobrinho com fundos que terão sido desviados de forma alegadamente irregular do BESA que o suspeito geria, aponta o jornal, citando o despacho de apreensão
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Sobre Manuel Vicente:
 
Negócios:


O vice-presidente da República de Angola, Manuel Vicente foi indiciado quarta-feira, 25 de Fevereiro, pelo Ministério Público, por corrupção activa, no âmbito da chamada "Operação Fizz".
Esta é a segunda vez que o antigo líder da Sonangol é visado pela justiça portuguesa. Em Novembro de 2013 o Departamento Central de Acção e Investigação Penal arquivou um processo no qual estava em causa a eventual prática por Manuel Vicente, Higino Carneiro e a Portmill do crime de branqueamento de capitais, com possível ligação a ilícitos de natureza fiscal.
Na altura o Ministério Público explicava assim a decisão: "vieram aos autos, voluntária e sucessivamente, trazer os elementos documentais de suporte das transacções financeiras detectadas nas suas contas bancárias, assim como fizeram prova de rendimentos compatíveis com as operações referidas".
O caso que foi encerrado em 2013 teve também consequências político-diplomáticas nas relações Portugal-Angola. Antes desta decisão, o Jornal de Angola, órgão oficial do Governo angolano, produziu críticas contundentes a Portugal por causa da investigação a Manuel Vicente.
"Se o Ministério Público em Portugal abrisse um inquérito ao Vice-Presidente de um país da União Europeia ou dos EUA temos a certeza de que os seus nomes não iam fazer manchete nos noticiários dos barões da droga em que se transformou a comunicação social portuguesa. As elites portuguesas ignorantes e corruptas estacionaram no colonialismo mais retrógrado. Continuam a achar que os negros são seres inferiores e se têm uma camisa lavada é porque a roubaram", escreveu o Jornal de Angola em editorial datado de 8 de Novembro de 2013.
E concluía: "Quem tem amigos assim, o melhor é virar-lhes as costas e negociar até com o diabo ou dialogar com os inimigos. É muito difícil dialogar com um país em que parece que ninguém se entende e estão todos virados para o tornar ingovernável. Dizem que o investimento é bem-vindo, mas atacam os investidores angolanos".
Manuel Vicente é uma das figuras mais proeminentes de Angola, tendo-se destacado como presidente da Sonangol. Nessa condição foi o responsável pela entrada da petrolífera angolana no capital do BCP e na Galp, de forma indirecta, através da Amorim Energia.


Em Junho de 2013, o jornalista do Negócios, Celso Filipe, publicou o livro "O Poder Angolano em Portugal – Presença e Influência do Capital de um País Emergente", editado pela Planeta Manuscrito, o qual incluía um perfil de Manuel Vicente que pode ler de seguida na íntegra.


"As suspeitas levantadas em torno do seu número dois não parecem afectar José Eduardo dos Santos, que tem total confiança em Manuel Vicente, o qual entrou para a Sonangol em 1991. A partir de 2000, passou a exercer a presidência da petrolífera, cargo que manteve durante 11 anos. Uma amizade antiga e duradoura e as suas capacidades de gestão foram convencendo José Eduardo dos Santos, que o adoptou como seu delfim e provável sucessor. No início de 2012 deu o primeiro passo nesse sentido, transformando-o em ministro de Estado e da Coordenação Económica. Em Setembro do mesmo ano, após as eleições e na condição de número dois da lista do MPLA, partido vencedor, Vicente ascendeu à vice-presidência do país.

Manuel Vicente, que nasceu em Maio de 1956, em Luanda, foi criado pela irmã mais velha de José Eduardo dos Santos, Isabel Eduardo dos Santos – falecida em Julho de 2008 – que, diz-se, terá desempenhado o papel de sua verdadeira mãe. Isso faz com que, em círculos restritos, Vicente e Eduardo dos Santos se tratem por primos. Isabel também desempenhou um papel de relevo durante os primeiros passos da carreira política do irmão, que Eduardo dos Santos reconheceu de forma emocional ao dar à sua primeira filha o nome de Isabel. A sintonia entre ambos é grande e a atitude reservada é um traço de carácter partilhado pelos dois. A única discórdia visível é no futebol: Eduardo dos Santos é do Porto, Manuel Vicente torce pelo Benfica.

Com casa em Alvalade, um bairro chique e tradicional de Luanda, Vicente é casado em segundas núpcias com Marinela Correia, da qual tem dois filhos. O seu património imobiliário é também constituído por um apartamento em Lisboa e uma moradia no Algarve.

Quando viajava para Lisboa frequentemente, na qualidade de presidente da Sonangol, ficava invariavelmente instalado no hotel Ritz, embora possuísse uma casa na capital portuguesa. Foi ele que protagonizou, em nome da Sonangol, a mais mediática entrada de uma empresa angolana no capital de uma companhia portuguesa, ainda que de forma indirecta, quando em 2006 fechou um acordo com Américo Amorim. Ambos constituíram a Amorim Energia, que passou a controlar 33,34% da Galp.

Manuel Vicente foi também o estratega da entrada da petrolífera angolana no capital do BCP em 2007, ano em que comprou 2% desta instituição financeira por 200 milhões de dólares. Esta aposta na banca portuguesa teve o seu expoente em 2012, quando a Sonangol se tornou o maior accionista do banco, passando a deter 11,6% do capital. A petrolífera tem também 29,9% do Millennium Angola, onde figuram mais dois accionistas angolanos, o BPA (Banco Privado Atlântico) com 15%, e a Globalpactum com 5%. Estes 29,9% valem aproximadamente nove milhões de euros, visto que o capital social do banco é de 29,5 milhões de euros.

O caso BCP é, aliás, outro que ilustra de forma eloquente a estratégia de teia de aranha que os angolanos são hábeis em tecer. Veja-se como os fios se interligam. O BPA é também accionista da Interoceânico que, por seu turno, tem 2% do capital do BCP. Esta Interocêanico, cuja repartição do capital social é desconhecida, mas onde pontificam nomes como Daniel Proença de Carvalho, Francisco Pinto Balsemão, Rui Nabeiro e o ex-embaixador António Monteiro (que foi membro da delegação portuguesa que mediou os acordos de paz em Angola, assinados em Lisboa em 1991), é liderada por Carlos Silva. E Carlos Silva, tido como protegido de Manuel Vicente, acumula este cargo com o de presidente do BFA, onde a Sonangol é accionista

A Sonangol é um verdadeiro Estado dentro do Estado. As receitas do petróleo financiam o Governo, permitem fazer aquisições fora do país, servem como contrapartidas para empréstimos bancários, alimentam a criação de empresas com sócios angolanos e são também aplicadas para entrar no capital de instituições financeiras, às quais a petrolífera pode posteriormente recorrer para se financiar. O poder do petróleo alimenta muitas bocas e é um gigantesco lençol debaixo do qual a elite tem traçado planos de controlo de sectores de actividade como a banca ou a construção, a pretexto da necessidade de angolanização da economia.


A poucos meses das eleições angolanas de 31 de Agosto de 2012, quando já era ponto assente que seria o número dois da lista do MPLA, Vicente anunciou durante um jantar privado com um grupo de amigos, que depois de contados os votos, a troika iria chegar ao país. As suas palavras foram interpretadas como uma forma irónica de avisar que o Estado iria passar a ter regras de governação mais apertadas, limitando os danos de imagem causados pelas políticas de compadrio, até porque a corrupção continua a ser a palavra-chave nas críticas ao Governo de Angola.


A revelação da sua ligação à petrolífera Colbat, através da Nazaki Oil, terá sido uma das consequências desta promessa, aponta o referido analista angolano. "Como em Angola política e negócios são amantes, admite-se que muitos dos dirigentes do MPLA sejam inimigos de Manuel Vicente no ramo empresarial. Aliás, comenta-se que muitas das descobertas dos negócios em que Manuel Vicente está envolvido se devem a fugas de informação propositadas dos seus opositores, alguns dos quais com influência nos serviços secretos." Descredibilizar Manuel Vicente é, neste registo, uma via que os influentes do regime encontraram para tentar manter o 'status quo'.
Um facto é irrefutável. Manuel Vicente mudou a Sonangol a partir do momento em que começou a liderar a petrolífera, no ano 2000, transformando-a numa empresa de méritos inquestionáveis. Especialistas do sector sublinham que a Sonangol tem quadros altamente eficazes na negociação dos contratos de concessão e de prospecção petrolífera com as multinacionais do sector, tendo também grande 'expertise' em matéria de extracção do ouro negro. A Sonangol tem sido a única empresa de Angola capaz de gerar liquidez, de financiar o Estado e ainda de ser o rosto deste em matéria de aquisições no exterior, particularmente em Portugal.

Uma outra empresa, a China Sonangol International Holding, com sede em Hong Kong, tem um particular relevo. A revista "The Economist", numa investigação que publicou na sua edição de 13 de Agosto de 2011, relata a existência do sindicato de negócios 'Queensway' que se chama a si mesmo de China Sonangol, o qual "nos últimos anos assinou contratos que valem biliões de dólares, de petróleo, minerais e diamantes" provenientes de África. "Os negócios são misteriosamente guardados em segredo. Contudo, garantem aparentemente proveitos assinaláveis ao sindicato de negócios 'Queensway'".

A revista inglesa refere que este sindicato nasceu com base em laços que remontam à Guerra Fria, criados por Sam Pa, que frequentou a academia militar de Baku (ex-União Soviética, actual capital do Azerbeijão), onde conheceu o actual presidente da República de Angola. A vida deste chinês está envolta em mistério, sendo apontado como líder do grupo Queensway, que explora concessões diamantíferas em África e também do Fundo Internacional da China, uma empresa privada com sede em Hong Kong, mas que terá relações muito próximas com o Governo de Pequim. Sam Pa, também travou conhecimento com Hélder Bataglia em 2004, uma ponte que se revelou essencial para que a parceria avançasse.


Esta aliança decorre, em paralelo, àquela que foi firmada entre os dois Estados, o angolano e o chinês. O manto de suspeitas no qual a "The Economist" envolveu estas e outras personalidades não mereceu quaisquer comentários ou esclarecimentos dos mesmos.

Em 2010, a Sonangol voltou a engordar o seu múltiplo portefólio de negócios, quando José Eduardo dos Santos anunciou que a subsidiária Sonangol Imobiliária iria assumir a construção das zonas urbanas de Cacuaco, Zambo e Kilamba Kiaxi, que até então eram da responsabilidade do Gabinete de Reconstrução Nacional, liderado por 'Kopelipa'.

A Sonangol Imobiliária passou assim, por decisão do presidente da República, a ter um papel de destaque na gestão de imóveis, venda de casas e arrendamento urbano, além de ter a seu cargo investimentos em urbanizações nas províncias de Cabinda e Kuando Kubango. Poucas semanas depois deste anúncio, fechou acordo para a entrada no capital da Mota-Engil Angola, dispondo assim de uma construtora à qual poderia passar as obras que fora incumbida de concretizar. Mais uma vez, as peças do puzzle parecem encaixar-se na perfeição.

A par de Portugal e da China, e das multinacionais petrolíferas, com as quais forçosamente tem de fazer negócios, a Sonangol tem também uma aliança antiga com a construtora brasileira Odebrecht. Os brasileiros chegaram a Angola em 1984 e nunca mais de lá saíram, criando laços perenes com o poder. Emílio Odebrecht, presidente da empresa, visita Luanda de dois em dois anos e é sempre recebido por José Eduardo dos Santos.

Em paralelo, as três campanhas eleitorais do MPLA foram sempre concebidas por 'marketeers' brasileiros. A de 1992 foi concebida por Ricardo Noblat e de 2008 foi desenhada por Carlos Monforte, ambos ao serviço da empresa Propeg. Em 2012, o arquitecto da campanha foi João Santana, que trabalhou para o PT (Partido dos Trabalhadores) do Brasil e foi responsável pelas máquinas de propaganda que conduziram à eleição, primeiro de Lula da Silva, e depois de Dilma Rousseff.

A Odebrecht é uma cliente de longa data dos serviços da Propeg. Em Julho de 2012, a Odebrecht passou a integrar um consórcio para a construção de uma fábrica de bioetanol em Angola, da qual fazem parte a Sonangol e a Damer. O projecto é de 250 milhões de dólares e os brasileiros têm 40%, a Sonangol 20% e a Damer os outros 40%. Esta empresa, afiança o site "Maka Angola", será controlada por Manuel Vicente e pelos generais 'Kopelipa' e Leopoldino do Nascimento.

A Odebrecht faz também parte do consórcio (com 15%) que faz a prospecção petrolífera do Bloco 16 no 'offshore' de Angola, que é liderado pela Maersk, com 65% do capital, enquanto a Sonangol possui 20%. A Odebrecht ficou ainda com a responsabilidade de gestão dos supermercados Nosso Super e EM 2012 iniciou as obras da barragem hidroeléctrica de Laúca, no Kwanza Norte, que custará ao Estado angolano três mil milhões de dólares. A cerimónia de entrega da primeira fase do empreendimento à construtora brasileira foi testemunhada por Manuel Vicente, já na qualidade de ministro da Coordenação Económica.

Como herança na Sonangol, Manuel Vicente deixa iniciada a construção da refinaria do Lobito, uma obra fundamental para evitar o contra-senso de Angola ser forçada a importar gasolina, por não possuir uma unidade industrial capaz de refinar esta matéria-prima. Foi o próprio Vicente, já na qualidade de vice-presidente, que colocou a primeira pedra da obra em Dezembro de 2012.

Esta refinaria, que implica um investimento de oito mil milhões de dólares e terá capacidade para processar 200 mil barris por dia, deverá estar concluída em 2014. E Angola precisa de apressar o passo, até porque segundo estimativas do Banco de Mundial as suas reservas petrolíferas deverão apenas durar mais 21 anos (contados a partir de 2012), podendo produzir uma média de 1.9 milhões/dia até 2025. Em contrapartida, a Nigéria – a grande rival angolana em matéria de petróleo – tem reservas estimadas para 41 anos.

É neste quadro que se insere a aposta no projecto Angola LNG, no Soyo, província do Zaire, de construção de uma fábrica de gás natural, a qual permitirá diversificar a receita do Estado. Esta unidade, uma parceria entre a Sonangol, a Chevron, a BP e a Eni (que até 2012 foi aliada da petrolífera angolana na Galp), vai ter capacidade para exportar 5,2 milhões de toneladas de gás natural, possivelmente já a partir deste ano. O investimento na unidade foi de 10 mil milhões de dólares.

O poder que Manuel Vicente possuía na Sonangol era, por assim dizer, unipessoal. Com a sua ida para o Governo, a petrolífera deixou de desempenhar as funções de Fundo Soberano (foi criado um de raiz em cuja administração está o filho do presidente da República, José Filomeno dos Santos) e consta que poderá também perder o privilégio de atribuição de licenças para a prospecção petrolífera, passando estas competências a serem exercidas pelo Executivo angolano.

Agora que se tornou político, Manuel Vicente cedeu o palco de estrela empresarial a Isabel dos Santos, o terceiro elemento do triunvirato essencial do poder angolano".

última hora, 6.11.2013:

Esta manhã, o “Correio da Manhã” noticiava que o Ministério Público, na semana passada, decidiu arquivar o processo contra Manuel Vicente e dois enteados por fraude fiscal, branqueamento de capitais e falsificação de documento. O jornal escreve que em causa estava a venda de uma participação do banco BiG, avaliada em 11 milhões de euros, que Manuel Vicente vendeu à sociedade EDIMO, detida pelo enteado Edmilson de Jesus Martins (conhecido como Mirco Martins). As primeiras notícias sobre uma investigação da Justiça portuguesa ao vice-presidente angolano, Manuel Vicente, surgiram em Novembro de 2012.

Manuel Vicente, um engenheiro electrotécnico licenciado pela Universidade de Luanda, em 1983, foi o artífice de uma estratégia com dois pilares – a expansão internacional e a diversificação da carteira de investimentos da Sonangol, a qual foi possível de materializar com o fim da guerra em Angola, em 2002. No domínio dos petróleos, Vicente ganhou competências e aprendeu as muitas minudências deste agressivo sector, ao frequentar cursos de formação profissional em Calgary, Londres, Dallas e Boston.

Na Sonangol deixou um discípulo, Baptista Sumbe, actual número dois da companhia. Na área política, foi tendo treino como vice-presidente da Fundação Eduardo dos Santos. As apostas na ampliação dos interesses da Sonangol contaram sempre com o apoio de Carlos Silva, um quadro do sector financeiro, e do advogado angolano Fernando Santos, seu amigo de longa data, que o auxiliou a concretizar a entrada da petrolífera no Millennium Angola.

Carlos Feijó, jurista e ex-ministro de Estado de Angola, também o ajudou a abrir portas em Portugal, em especial nas relações com escritórios de advogados como o da PLMJ, do qual José Miguel Júdice é um dos sócios. Durante as suas estadas em Lisboa, Manuel Vicente jantava amiúde com António Mexia, presidente executivo da EDP.


Entre as muitas empresas que fazem parte do universo empresarial da Sonangol, contam-se a Sonangol USA (com sede em Houston), a Sonasia (com sede em Singapura) a Sonangol Congo, a Sonangol Shipping (transporte marítimo), a ESSA (empresa para sondagens petrolíferas), a MST Telecom, a SonAir (aviação) e a AAA, uma empresa de serviços financeiros que abarca a gestão de seguros de risco integrados para o sector petrolífero.

A banca foi também uma aposta estrutural. Além das participações no BCP e no Millennium Angola, a Sonangol tem 17,5% do capital do BAI (Banco Africano de Investimentos), uma posição qualificada no também angolano BPA que é também accionista do BCP através da Interoceânico, e uma quota residual de 1,04% no BCI (Banco de Comércio e Indústria).

A Sonangol controla 38,45% da Enacol (Empresa Nacional de Combustíveis de Cabo Verde), onde a Galp possui uma quota de 48,28%, e tem 20% do capital da Mota-Engil Angola. E agora adivinhe quem são os outros accionistas. Ei-los: os já referenciados BPA e Globalpactum, que estão também no Millennium Angola, com 11% e 9% do capital e ainda a igualmente angolana Finicapital, com outros 9%.
Esta empresa foi formalmente constituída em Outubro de 2010. A Mota-Engil Portugal transferiu de seguida, para esta subsidiária, activos no valor de 325 milhões de dólares, tendo recebido 160 milhões de dólares pela venda de 49% do capital a estes três accionistas angolanos.


 Visão 25.2.2017:

É provável que o Estoril Sol Residence, na marginal que liga Lisboa e Cascais, seja o prédio mais investigado em Portugal nos últimos anos. Manuel Vicente foi um dos muitos compradores que não escapou às suspeitas de branqueamento de capitais, depois de ter adquirido um imóvel no 9º andar, através de três sociedades offshore que também terão servido para comprar outros dois apartamentos no mesmo local para os seus principais generais: um para o general Dino, outro para Kopelipa.

As suspeitas deram origem a um inquérito que foi conduzido por Orlando Figueira, o procurador que chegou a estar em prisão preventiva e na semana passada foi acusado de quatro crimes, entre eles corrupção passiva, por alegadamente ter recebido 760 mil euros de Manuel Vicente para arquivar processos que visavam o actual vice-presidente angolano e à data presidente da petrolífera Sonangol. Um dos processos que o Ministério Público considera ter sido oportunamente arquivado por Orlando Figueira foi precisamente este
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lusopt:

O advogado Paulo Blanco foi hoje constituído arguido, por suspeitas de corrupção activa, na mesma investigação que levou à detenção do procurador do Ministério Público Orlando Figueira, confirmou o próprio à agência Lusa.

Paulo Blanco confirmou à Lusa ter sido hoje constituído arguido, por indícios de corrupção, e que o seu escritório foi alvo de buscas.

"Posso confirmar que o meu escritório, em Lisboa, foi alvo de buscas a meio da manhã", disse Paulo Amaral Blanco à Lusa.

O advogado adiantou que os elementos da PJ levaram cópias de declarações, sobre os vencimentos que o actual vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, auferia entre 2007 e 2010, quando exercia actividades na Sonangol, BCP e Banco Angolano de Investimentos (BAI), entre outras entidades, e que pertenciam a um processo que foi arquivado em 2012.

Paulo Blanco explicou que os investigadores levaram cópias de declarações sobre os rendimentos auferidos por Manuel Vicente, que fizeram parte de um processo - sobre a compra de um apartamento, pelo político angolano -, que foi arquivado em 2012 por Orlando Figueira, na altura procurador do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP).

"Em 2012, fui advogado do engenheiro Manuel Vicente, na compra de um apartamento no edifício Estoril Sol. Na altura, o MP quis saber quanto é que o meu cliente auferia. Contudo, quando o processo foi arquivado, para proteger a vida privada do meu cliente, pedi que me fossem devolvidos [os documentos] e foram esses que hoje foram levados", explicou.

"Sendo Manuel Vicente um político, fiz um requerimento para que os documentos onde constavam os seus rendimentos me fossem devolvidos depois do arquivamento do processo [por Orlando Figueira], em 2012", acrescentou.

Paulo Blanco disse ainda que o processo que investiga as actividades do procurador Orlando Figueira, detido por suspeitas de corrupção, branqueamento e fraude informática, teve início em 2014, demarcando-se por completo das actividades do ex-procurador do DCIAP, actualmente advogado na sociedade BAS
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Mistérios gozosos

Crónica de João Miguel Tavares no Público de hoje:


Síntese: a elite portuguesa e angolana é igualmente corrupta. A diferença é apenas questão de aparência derivada de uma maior hipocrisia da elite nacional.

Prova apresentada? O que passou nos anos se Sócrates e se espelha na "operação Marquês".

É tentador concluir desse modo perante evidências acerca do que ocorreu com o BES/GES, a CGD, o BCP e também BPN, reduzido entretanto a um minúsculo fait-divers, agora completamente esquecido pelos ps´s que enchiam a boca de bpn sempre que iam à televisão falar dos seus problemas. O BPN foi apenas um sintoma do que estava para vir. Em todos estes casos a questão é sempre a mesma: dinheiro aos milhões e à disposição de quem manda.

Em Angola e Portugal o problema tem apenas uma semelhança pontual ou é sistémico?

Em Angola,  o poder político participa no poder económico directamente através das suas elites que controlam as grandes empresas estatais, mormente as que exploram recursos naturais. Em resultado de tal promiscuidade, inequívoca e consentida no sistema, surgem novos-ricos entre a elite angolana, tal como surgem na actual Rússia, embora esta seja uma terra de czares e tradição cultural mais sofisticada.
Por cá não há disso.  Não há participações económicas directas, por sistema,  em negócios entre políticos de partidos no poder, banqueiros e empresários.
Mas existe outra forma de participação que se lhe assemelha e reproduz alguns efeitos perversos: empresários e banqueiros que carecem de decisões políticas favoráveis e se interligam através de amizades partidárias ou pessoais, num Portugal reduzido a poucas pessoas com poder e em empresas de grande dimensão em que o Estado participa, com apoios bancários. Foi o caso da EDP, da PT e da CGD, para não falar de outras GALP. E do BES/GES, privado e  que tentou dar um salto maior que a perna.

Um dos elos de ligação entre estas entidades com interesses paralelos e pontualmente convergentes  são os escritórios de advocacia do regime, bem sedimentados em pessoas que marcaram os primeiros anos de democracia e se filiaram oportunamente  em partidos moderados de bloco central. Muitos apoiaram os principais líderes da elite política, com destaque para presidentes da República e primeiros-ministros. Estão sempre nesse topo de elite e sabem que isso é essencial.
Outro elo importante de ligação é a rede dos media portugueses, com destaque para as televisões. Pela sua própria natureza tendem a olhar as árvores dos fenómenos mediáticos e escândalos politico-financeiros-criminais descurando uma floresta de enganos que encobre essa realidade. Os jornalistas encarcartados aprenderam com os que os antecederam nessas más práticas que entendem como exemplares da profissão. Poucos ( José Rodrigues dos Santos, por exemplo) escapam ao modelo e esses não contam para exemplo dos demais, assalariados precários dos tempos modernos e apaniguados que têm que obedecer ao dono.

Repare-se num exemplo perfeito vindo a lume no Sol desta semana e patrocinado estranhamente por um dos articulistas que costuma precisamente denunciar este estado de coisas (Dinis de Abreu):


Não há qualquer separação ética ou mesmo profissional nas actividades de um advogado como Proença de Carvalho, ele mesmo o disse, num contexto que não pode ser desviado apenas para o que lhe interessa.
Durante o tempo em que decorreram os factos agora averiguados na operação Marquês ainda sobrelevava outra circunstância nada despiciente: o poder judiciário do Ministério Público entregue a pessoas que consideravam aberta e publicamente não ser o país um país de corruptos. Ou seja, nada ter a ver com Angola e quejandos. Foram porém essas mesmas pessoas que evitaram in extremis investigações criminais a detentores do poder político como é o caso de José Sócrates. Fizeram-no por razões que apresentaram como juridicamente muito atendíveis mas que tresandam a anomia por todos os poros, para dizer o menos.

Por força de leis introduzidas a mascoto no nosso sistema jurídico-penal, vindas de instâncias europeias e derivadas do medo do terrorismo, passou a ser possível controlar em Portugal certos fluxos financeiros que dantes nem eram cheirados pelas entidades oficiais.
A legislação contra branqueamento de capitais é uma delas e teve efeitos devastadores entre esta elite manhosa e interligada que dantes se sentia a salvo de ataques insidiosos da justiça, com investigações concretas e precisas a determinadas operações bancárias.

Foi isso que sucedeu no caso das operações que envolveram figuras do Estado angolano e que agora desembocaram nos problemas que estão expostos e se reportam a mistérios gozosos.

A seguir se verão alguns dos aspectos destes mistérios gozosos.





Jornalismo à Público...




Hoje no jornal dá-se conta de que "MP recolhe elementos sobre caso fos offshores".

É esta a notícia que interessa e já foi glosada ontem. E como é que se cozinhou esta novidade? Fácil:

Terça-Feira, dia 21,  no mesmo dia da publicação da notícia requentada sobre os 10 mil milhões que saíram para as offshores, insinuadamente sem controlo e em evasão fiscal eventual, o Público perguntou algo não especificado sobre o assunto,  à PGR .

Esta entidade que ultimamente e relativamente aos poderosos tem medo da própria sombra, respondeu ontem, a propósito da interpelação do Público: está a "recolher elementos", ou seja, está a analisar o assunto no âmbito de um procedimento administrativo que não é inquérito. Depois se verá.
Notícia do Público glosada ontem a eito: MºPº está a analisar o caso das offshores. Notícia provocada pelo próprio jornal com intenção deliberada porque não há ingenuidades nestes casos.

Não é preciso mais nada, como não foi preciso mais  do que a notícia requentada para acicatar polémica política estrita e a favor do Governo que está.

Não há coincidências, dizia o manhoso  e novel industrial de queijaria, Jorge Coelho que disto sabe a potes.
O Público já tem a camisola vestida e tem o número do Costa...

E o Dinis jura que não sabia que isto ia dar no que deu. Jura mesmo que foi tudo pelo jornalismo de causas nobres pelas gentes. "Assim defino a vida de quem tem animais de estimação, de vida sã..."  ( letra de António Pinho na canção dos Filarmónica Fraude, de 1969).

É ler a ingenuidade de um jornalista que quer ser assim e julga que o Público fez um belíssimo trabalho que os políticos estragaram.
Que dizer disto? Confrangedor? É pouco...muito pouco.


segunda-feira, fevereiro 27, 2017

Sócrates perde o último argumento que andava a propalar

jornal i:


 " José Sócrates afirmou, no início deste mês, que o inquérito decorre na “mais completa ilegalidade desde 19 de Outubro de 2015”, data em que, segundo os prazos previstos, a investigação deveria ter terminado.
O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) acabou por recusar o recurso, corroborando a ideia de que é ao MP “que compete determinar o modo e o tempo das diligências a realizar de acordo com a estratégia definida para a investigação em concreto”. "
 (...)
 
No acórdão, a que o i teve acesso, são apresentados os argumentos da defesa de José Sócrates, que exigia a extinção do inquérito por caducidade e a cessação das medidas de coação a que o arguido está sujeito. Os advogados do antigo primeiro-ministro, João Araújo e Pedro Delille, defendiam que tal se devia “por se mostrar ultrapassado o prazo máximo do inquérito”, argumentando que estes não são meramente indicativos, mas sim “elementos essenciais de garantia de protecção e de defesa dos arguidos”, citando artigos do Código do Processo Penal.

O mesmo documento apresenta a resposta do MP, que contradiz tal argumento com o facto de o artigo que prevê a extinção do inquérito por caducidade dos prazos do mesmo não poder “ser interpretado isoladamente mas em articulação com todo o sistema processual penal, nele se incluindo necessariamente, além do Código do Processo Penal e do Código Penal, a Constituição e o Estatuto do Ministério Público”.

O MP defende que os prazos não têm como objectivo acautelar a “paz jurídica dos arguidos”, mas sim orientar a acção penal, afirmando que existem ainda “diligências probatórias a realizar”
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domingo, fevereiro 26, 2017

Sonho na terra das palmeiras

Há 40 anos quem ouvia rádio ouviu certamente o disco de que se fala a seguir.
O nome do músico- Taiguara-  não era muito familiar, mas uma referência num  dos temas passados - "eles querem lotar o Maracanã e precisam de mim, lá vou eu..." atirava o ouvinte para o universo  da música do Brasil da época, diferente de todas as que então se ouviam. O tema Terra das Palmeiras, esse, é de antologia e um teste para quem quiser experimentar voz de falsete, na parte final, em progressão gradual e ritmada para os agudos que a idade se encarrega de impedir de atingir.
O disco de Taiguara, saído em 1976 e divulgado por cá faz agora 40 anos, com título de Imyra Tayra Ipy  até tem lugar específico na internet onde se podem escutar os temas.
No estrangeiro anglo-saxónico ninguém ligava a estas músicas e éramos nós os provilegiados ouvintes das mesmas, a par eventualmente dos franceses que ainda escutavam algumas ( Milton Nascimento, por exemplo).
Lembro-me de o disco, ou certos temas, passarem muitas vezes no rádio, tal como outros da música popular brasileira.

Talvez por isso, o disco, editado em Portugal pela Valentim de Carvalho em 1977 teve um recensão crítica de luxo na revista Música & Som de Junho de 1977, incluindo um texto de James Anhanguera que na altura costumava falar no rádio, sobre música popular brasileira, convidado pelos animadores de programas como José Nuno Martins, grande divulgador da mpb nessa época e João David Nunes que aliás assina o texto da M&S, a par de João de Menezes Ferreira que depois deu em deputado ( do PS).

Tenho muitas saudades desses programas de rádio em que se ouvia a música e se ouviam comentadores que sabiam do que falavam, como o dito Anhanguera ou outros.
James Anhanguera publicou em 1978 este livro- Corações Futuristas, título de um disco de Egberto Gismonti, também de 1976-  sobre a música do Brasil que apesar de ser quase ilegível pela densidade de referências e desorganização temática,  vale por essas mesmas referências, quase todas as que interessam na MPB.




Como eles escrevem, Imyra Tayra Ipy é um disco fabuloso de música popular brasileira, como já não se faz. Esgotado na edição em vinil, a melhor, tem versão em cd, incluindo uma japonesa porque são os nipónicos que dão importância a estas coisas da música de qualidade que anda esquecida.


A banalidade de Aníbal como director-geral do país

Observador, Vasco Pulido Valente sobre Cavaco Silva

Cavaco é um homem exemplar: bom filho, trabalhador, responsável, óptimo marido (em 50 anos de casado só não dormiu na mesma cama da mulher 1 por cento das noites, uma façanha pela qual a nação inteira o admira), perfeito pai, honesto, imparcial e dedicado. Não admira que os portugueses tenham feito dele ministro, primeiro-ministro e Presidente da República, embora seja um “intruso” na política, sem qualquer ambição pessoal e, sobretudo, odeie o ruído à volta do seu nome e a curiosidade à volta da sua pessoa. Não enriqueceu com as posições a que foi elevado. Quando está em Lisboa, vive num apartamento modesto (suponho que alugado) e, no Algarve, na “Casa da Gaivota Azul”, assim poeticamente chamada em homenagem a uma espécie de poema que Vasco Graça Moura lhe fez, não sei com que intenções, e que também tem, benefício da arte, um painel de azulejos do imortal Cargaleiro.

Sendo um bom católico e um homem de paz, Cavaco não odeia ninguém, excepto, claro, a gente que não o acha tão admirável como ele se acha, que lhe atrapalhou a vida, que não lhe obedeceu ou por puro desvario disse mal dele. Essa longa lista começa com Mário Soares (a grande força de “bloqueio”) que em Belém intrigava contra ele, que assistia sonolentamente às reuniões de quinta-feira e que no fundo (coisa que não escapou a Cavaco) o desprezava. Mas Vítor Constâncio (governador do Banco de Portugal) vem a seguir com a maioria dos dirigentes socialistas – e com Sócrates, um aldrabão, um ignorante e um obstinado, dado a cenas de hipocrisia e a fúrias contra tudo e contra todos. De qualquer maneira, e tirando estes parceiros da cena política, o inimigo principal de Cavaco eram os “media”, que merecem um parágrafo à parte.

Tanto como primeiro-ministro, como Presidente da República, ele execrou visceralmente “os media”. A concepção de política que o guiava era uma concepção de director-geral: o chefe bem informado e ajudado por especialistas, despachava no seu gabinete, longe do ruído da rua, a bem “do superior interesse da nação”; o governo e o parlamento aprovavam e a populaça fazia o que lhe mandassem. Tal qual como o Prof. Salazar gostava de fazer as coisas, com alguns ornamentos democráticos para disfarçar. Ora, os “media” criticavam, acusavam, distorciam. Um ou outro, como “O Independente”, até nem se coibiam de inventar notícias ou conspirações. Mais do que isso faziam dele uma figura do contínuo espectáculo da política indígena e ele não gosta de escândalos como o escândalo das “escutas”, que vários peritos dizem que ele próprio inventou. Fosse como fosse, apesar de alguns percalços, Cavaco conseguiu ficar no seu casulo, sem um acto decisivo que impedisse ou moderasse a crise em que o país caiu.

O que ele gostava naquele lugar do Estado era da proeminência que a situação lhe dava e da sensação de pertencer aos regentes do mundo. Com todo o cuidado apresenta no livro a prova fotográfica dos seus encontros com as celebridades que viu e ele julga que lhe dão lustre e por reflexo provam a sua importância pessoal: presidentes, primeiros-ministros, papas e similares. A vaidade paroquial do homem não tem medida; com os seus três papas, em particular, quase que se baba. Em contrapartida, o que mais lhe custava eram as reuniões com Sócrates (118 contou ele com o zelo com que contava a sua assiduidade ao leito conjugal). Em primeiro lugar, ele achava que Sócrates não passava de um mentiroso sempre pronto para o enganar. E, depois, Sócrates não percebia o que lhe diziam, se o que lhe diziam não concordava com os seus planos. Cavaco tomava notas numa estenografia secreta (que ele inventara na Faculdade) para se precaver de Sócrates e tentou até ao fim meter naquela cabeça irascível meia dúzia de noções elementares de economia e de finanças. Sem resultado.

A conclusão deste melodrama foi que os portugueses acabaram por sofrer uma crise, que o Presidente e o primeiro-ministro podiam adiar e com certeza atenuar. Cavaco previu o que ia acontecer desde pelo menos 2008. Mas não achou necessário prevenir os portugueses ou dissolver a Assembleia, porque a Constituição não lhe permitia interferir na política do governo. E, em matéria de lei, ele como qualquer director-geral era um devoto.

A comparação é fácil, mas ao ler estas 500 e tal páginas sem uma ideia, sem um pensamento sobre a situação e o futuro de Portugal, sem uma crítica ao sistema político, mas saturadas de uma satisfação incompreensível , não consegui esquecer Eça e os seus políticos: o conde de Abranhos, o conde de Gouvarinho, o genial Pacheco e o conselheiro Acácio. Reconheço, repito, a banalidade. Só que esta banalidade tem a vantagem de ser verdadeira.


É justo este retrato de Cavaco Silva? Sendo ferozmente subjectivo não interessa muito definir a justiça adjectiva mas sindicar apenas a opinião com os factos disponíveis.
Por exemplo esta passagem, significativa:

Tanto como primeiro-ministro, como Presidente da República, ele execrou visceralmente “os media”. A concepção de política que o guiava era uma concepção de director-geral: o chefe bem informado e ajudado por especialistas, despachava no seu gabinete, longe do ruído da rua, a bem “do superior interesse da nação”; o governo e o parlamento aprovavam e a populaça fazia o que lhe mandassem. Tal qual como o Prof. Salazar gostava de fazer as coisas, com alguns ornamentos democráticos para disfarçar.

 Cavaco execrava os media em geral, ou seja, não tinha grande respeito e admiração pelos jornalistas, porquê?  Para mim, porque se julgava superior no entendimento das realidades governativas. Os economistas em geral tendem a julgar que percebem melhor o país e a sociedade que os demais especialistas de outras matérias. Ora os jornalistas não são especialistas de coisa alguma a não ser no modo de redigir notícias.

Esse complexo de superioridade de  Cavaco Silva, bem real a meu ver, dava-lhe uma vantagem na forma como decidia porque obtinha a informação por outra via que não os media e estes pareciam-lhe mal informados ou mesmo ignorantes de certas matérias, mormente económicas. Logo, sem grande credibilidade informativa a não ser nos factos de mexericos que ainda permitiam aumentar o complexo.
Não obstante, o  que me espanta é saber o que se passaria no caso dos mexericos que envolviam pessoas da entourage de Cavaco Silva, como Oliveira e Costa que foi seu ajudante em governos ou Dias Loureiro, homem de mão do partido de poder que então era o PSD e que Cavaco Silva conservou como conselheiro de Estado até não poder mais.

Esses mexericos não eram anódinos porque envolviam assuntos de Estado, como movimentações de dinheiros públicos em operações que Cavaco Silva deveria sindicar.
Como é que Cavaco se informava relativamente a esses assuntos, por exemplo o caso do SIRESP e da SLN em que Dias Loureiro tinha parte relevante? Não sei e julgo importante saber para formar opinião sobre Cavaco e a sua superioridade relativamente aos media.

O que se passou com o BPN, as acções que lhe foram propostas e depois transaccionadas a preços muitíssimos favoráveis e que lhe deram um lucro considerável, pouco usual e eventualmente desonesto, fica atravessado como facto incontornável do perfil de carácter de Cavaco Silva. Muito negativo, este facto e destruidor de qualquer credibilidade acerca da seriedade inquestionável como homem de Estado. Não basta dizer e proclamar que "ainda está para nascer quem seja mais honesto do que eu"... porque a percepção mediática deste caso, de acordo com o senso comum, é arrasadora e terminante.

Sobre Cavaco Silva como homem de Estado, na governação:

O que ele gostava naquele lugar do Estado era da proeminência que a situação lhe dava e da sensação de pertencer aos regentes do mundo.

Esta vaidade pessoal e intransmissível está de acordo com os resultados obtidos como governante e político nestes últimos 30 anos para não recuarmos um pouco mais atrás, aos governos da AD?

Isso merece outra reflexão que implica conhecimentos em que Cavaco Silva se sente ainda mais superior e já justificou em livros anteriores.
Porém, merece que se questionem as opções políticas e governativas, também por quem não tendo tais conhecimentos pode reflectir sobre tais opções.

Vasco Pulido Valente não se aventura nessa floresta e é pena porque é dela que saiu toda a madeira que agora temos para nos queimar.

Dizer que Cavaco é um personagem de Eça, do género acaciano, sendo relativamente certo, por causa do tal respeito atávico a leis muito convenientes para a inacção interventiva, é pouco.
A ausência, em Cavaco Silva de "pensamento sobre a situação e o futuro de Portugal, sem uma crítica ao sistema político, mas saturadas de uma satisfação incompreensível" é arrasador do perfil de qualquer homem que se pretenda figurar como tendo sido de Estado.

Cavaco Silva foi apenas um director-geral? Vou ver melhor. Mas tendo a concordar.

sábado, fevereiro 25, 2017

Larry Coryell, outro músico que morreu

Larry Coryell morreu no Domingo passado e só soube ontem. Tinha 73 anos e era um grande guitarrista.

Em meados da década de oitenta vi este disco no El Corte Inglès de Vigo e comprei, porque conhecia o músico de nome e de referência no jazz em modo fusão. É um portento musical que não sendo o mais célebre do músico, segundo os entendidos talvez Spaces, de 1969, ainda assim se ouve como algo único no panorama musical.
O disco não é o original, de 1975, prensagem americana, mas uma edição espanhola da Hispavox, desse ano ou seguinte, data da distribuição.



Ainda estes dias ouvia  Song for Jim Webb, desse disco e pensava em como a música era diferente de tudo o que se ouvia em música de guitarra acústica. Aqui fica a homenagem em obituário singelo.


Isto pode acabar mal, mas ainda não se sabe para quem...

JE:

Indignação, avisos e persistência são as principais reacções dos cinco media cujos jornalistas foram ontem impedidos de entrar num briefing com o porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer.

A cadeia de notícias CNN, os jornais The New York Times e The Los Angeles Times, e o sites Politico e BuzzFeed foram barrados do gaggle, um briefing sem direito a captação de imagens no gabinete de Spicer e que substituiu a conferência de imprensa diária. Onze outros órgãos participaram na sessão, mas os jornalistas da agência Associated Press e da revista Time boicotaram o evento logo que souberam que alguns colegas tinham sido barrados.

A CNN, um dos principais alvos de Trump na guerra contra o que apelida de fake news, postou uma mensagem forte no Twitter. “Isto é um desenvolvimento inaceitável da parte da Casa Branca de Trump. Aparentemente isto é a forma como eles retaliam quando reportamos os factos que não gostam”.

Jake Tapper, correspondente-chefe da CNN em Washington, explicou que a administração “não parece respeitar a ideia de ter de prestar contas, não parece dar valor a uma imprensa independente, há uma palavra para essa linha de pensamento: ‘un-american’ [contra os valores americanos]”.

Tapper recordou ainda que horas antes do incidente na Casa Branca, Trump tinha lançado um novo ataque contra a imprensa. Num discurso em Maryland, o presidente afirmou que está “contra as pessoas que inventam histórias e inventam fontes”.

Primeira vez

Num editorial, o New York Times lembrou que as acções da administração Trump são inéditas. “Nem durante os escândalos Watergate ou Iran-contra, o caso Monica Lewinsky ou qualquer outro número de escândalos ou crise, alguma vez um presidente ou um dos partidos barrou um órgão de notícias de um briefing na Casa Branca”.

“A Primeira Emenda [da constituição, que protege a liberdade da imprensa] pode ser inconveniente para alguém que deseja o poder sem escrutínio. O Sr. Trump pode querer refrescar o seu conhecimento sobre o que ela significa, e habituar-se a ela”, sublinhou.

Na outra costa dos EUA, o Los Angeles Times salientou que, ao excluir alguns dos maiores órgãos de notícias do país, Spicer “escalou a guerra da Casa Branca com a imprensa livre para um novo nível”.

“Se a intenção era de intimidar os jornalistas para estes escreverem menos coisas que a administração não gosta, e mais coisas que gosta, está condenada a falhar”, vincou, também num editorial.

Ben Smith, editor-in-chief do site BuzzFeed News, também afirmou que a estratégia de Spicer é contra-producente. “Embora tenhamos objecções fortes à aparente tentativa da Casa Branca de punir os media cuja cobertura não gosta, não vamos deixar que estas palhaçadas nos distraiam de continuarmos a cobrir esta administração de forma justa e agressiva”.

O site Politico salientou que Trump os seus assessores “escalaram de forma dramática o feudo que têm com a imprensa”, acrescentando que “o desdém pelos media chegou a novos máximos”. Já após o incidente na Casa Branca, Donald Trump voltou ao assunto num tweet: “FAKE NEWS os media conscientemente não dizem a verdade. Um grande perigo para nossa nação. O falhado New York Times tornou-se numa anedota. A CNN também. Triste!”
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Depois de anos e anos de abuso de liberdade de imprensa para impor uma visão politicamente correcta da sociedade, aparece alguém a mostrar que o rei vai nu...e é isso que os incomoda: verem-se despidos da importância que julgavam ter.

A verdadeira notícia do Público: o microfone de Cabrita e as fake news

O Público de hoje dá três páginas de explicações para o que aconteceu no caso da notícia que publicou na terça-feira passada.

Essencialmente, foi isto que se resume a meia página e que deveria ter sido algo que o jornal podia e devia ter averiguado logo, esvaziando o sentido da notícia falsa. Porém, não era isto que agora se relata o que interessava  noticiar, por muitas explicações cândidas de jornalismo puro que o seu director apresente. O que interessava é o que vem a seguir nos comentários de dois esquerdistas que abocanharam o filet-mignon  da notícia para zurzir no capitalismo neo-liberal ou coisa que o valha.

Essencialmente, o jornalista investigador encartado nesta manipulação ( malgré lui? Dou de barato...) descobriu que não houve publicitação estatística de saídas de capitais de Portugal para offshores nos anos 2011 a 2014. Não houve publicitação estatística significa, explica agora o Público, que tal existia desde 2010 e se reportava a indicação no Portal das Finanças de tais movimentos. O jornalista investigador, encartado nessa tarefa e noutras, lá descobriu a falha, por si mesmo e porque é muito diligente. O quadratura Jorge Coelho lá disse que nestas coisas não há coincidências, mas neste caso houve. Claro que houve. É só perguntar ao jornalista Dinis que ele diz que já disse.

E que falha era assim tão importante para se colocar no título de primeira página de terça-feira do Público- "Fisco deixou sair 10 mil milhões para offshores sem vigiar transferências"- ?


Lá dizia na primeira página, em letras pequeninas que os pachecos e sãos josés de almeida não sabem ler: 20 declarações não foram objecto de "qualquer tratamento". E que tratamento era esse? Explica agora o Público, o que ainda não será suficiente para aqueles perceberem: verificar se há indícios de fraude fiscal.
Sobre o assunto essencial, noticiado em letrinhas pequeninas que aqueles não sabem ler, escreve-se agora que afinal terá sido dado algum "tratamento", isso na versão do ex-director geral da AT, José Azevedo Pereira ( nomeado pelo governo de Sócrates, em 2007).  E acrescenta que tal "tratamento" estava a ser ultimado para divulgação oportuna. Ou seja, um tiro pela culatra naqueles que apostaram na "notícia" do Público que agora se transformou em não notícia e em arma de propaganda ideológica e política, apenas, por causa das "offshores" e nada mais.


A não notícia só agora o Público a explica: o prazo para a AT "tratar" essa informação, no caso concreto é de 12 anos e não quatro como tinham noticiado com grande conhecimento da causa. A AT tem até ao ano de 2021 tempo para tal. O Público não teve tempo para dar essa informação em primeira página, porque se assim fosse o director Dinis não podia fazer o frete. Malgré lui, também dou de barato, mas objectivamente é um frete e se Dinis não teve consciência disso é ainda mais grave.

O problema que foi agora mostrado pelo Sol, na edição de hoje,  é este facto nada inocente, como realça o jornal: esta notícia é requentada e foi agora aquecida, em lume brando, como se vê. Isto, para o Dinis, não é de modo nenhum inocente. E por isso retiro o malgré lui para reafirmar uma natureza de frete. Um jornalista que a isto se presta nem jornalista é. Jornaleiro, pode ser.


A questão fica assim reduzida ao seu aspecto verdadeiro, essencial e inequívoco, apesar de todas as tergiversações jornalísticas com a candura obscena que agora apresentam: fustigar o governo de Passos, através do antigo Secretário de Estado Paulo Núncio, do CDS e com quem o mesmo teve aquele episódio edificante, na AR, com um governante actual, Eduardo Cabrita, a propósito de um microfone.




Quanto ao aspecto de propaganda ideológica e política o assunto já pegou de estaca mas vai estacar em breve, quando se perceber a ignorância de quem fala nisso.

Para já temos estes dois artigos magníficos dessa exemplaridade ideológica. Um de Pacheco Pereira que afinal retoma um amor antigo e assolapado ( não há amor como o primeiro...): a esquerda ideológica que combate sem cessar o capitalismo, a burguesia e os detentores do capital. Um clássico, portanto. Ao lado do artigo, para o reforçar, está outra colecção de aleivosias do mesmo género, provinda da mesma fonte e veiculada por alma gémea.

O tema principal deixou de ser o que não entendem e passou a ser a verdade alternativa do facto inventado. Fake news, lá diz o outro...

O esquerdismo, tal como a ferrugem, nunca dorme.


 Mas há mais, na mesma onda esquerdista. No Sol, dá-se guarida à directora-adjunta do i, que no outro dia fustigou as tais offshores sem lhe ocorrer que receberá o salário de uma delas...

A parlapatice é a mesma que se pode ouvir na Antena Um, em tandem com o tal Raul Vaz e o  inteligente periclitante Delgado.
Estas pessoas não podem arengar noutro lado? Têm mesmo que inundar o espaço público com estas aleivosias de esquerda quando já há tanto disso por aí? Desamparem o espaço público, porra!



ADITAMENTO:

O folhetim vai agora continuar com esta palermice para desviar mais uma vez a atenção do principal: o antigo director-geral, o tal Azevedo Pereira quer sacudir a água do capote. Então tem a lata de discutir a validade jurídica de um "visto" aposto pelo superior hierárquico. Diz que um "visto" é uma negação de autorização de divulgação da estatística.
 Tirando a palermice o que lhe deveria ser perguntado é se diligenciou pelo "tratamento" dos dados que recebeu dos bancos. Os tais 20 casos. E se para tal precisava do "visto"...

Entretanto este enganou-se na crónica de hoje, no Público. Não era sobre o Louçã...era sobre o Dinis, pá! Será possível, um dia destes? Ou é daquelas difíceis...?


ADITAMENTO em 26.2.2017:

O antigo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, assumiu ontem a responsabilidade política pelo "visto" nos documentos que a AT de Azevedo Pereira lhe enviou. Reafirmou ainda que a mesma AT tem até ao ano 2024 para sindicar a eventual ilegalidade fiscal nessas operações relativamente aos "sujeitos passivos" de imposto. Seria interessante saber se neste período de tempo foi feita alguma coisa para isso, uma vez que a ausência de publicitação no Portal das Finanças não o impedia.

Assim se Paulo Núncio aceitou o sacrifício da responsabilidade política, quem sou eu para contestar essa responsabilidade...fica assim.

sexta-feira, fevereiro 24, 2017

A candura jornalística do Público

Na terça-feira passada o jornal Público anunciou que entre 2011 e 2014 ( governo Passos, pois claro) o Fisco não havia "tratado" as informações que os bancos lhe enviaram nesse período, relativamente a transferências de dinheiro para offshores, de cidadãos e empresas portuguesas ou que por cá devessem pagar impostos. Valor total do "não tratamento", conceito não explicado pelo jornal ?  10 mil milhões de euros.

A notícia era por isso clara: o Fisco não tratara tal informação, ou seja, deixara passar em claro qualquer eventualidade de sindicar tais transferências se tivesse razões para suspeitar de evasão fiscal, o que não foi devidamente explicado, ficando pela rama da atoarda de primeira página, eficaz como propaganda política travestida de notícia de jornal.

Tal notícia aparentemente pode ser falsa e parcialmente é mesmo falsa. Nesse período o que faltou eventualmente "tratar" terão sido 9.800 milhões de euros relativos a 20 declarações bancárias apresentadas. Nada mais e mesmo isso ´é duvidoso porque ainda não se apurou o modo desse tal "tratamento". Esse valor e declarações, o Fisco já admitiu que não "tratou" especificamente. Veremos como e porquê quando a explicação for dada, no Parlamento.

O Público explicou esta notícia falsa? Não, não é isso que interessa ao seu director, David Dinis, digno sucessor da artsy artsy que lutava pelas causas dignas da esquerda predominante, perante a total passividade do dono do jornal a quem interessa esta equivocidade.

Numa página publicada hoje tenta explicar o jornalismo cândido e puro do Público, em modo matreiro e indecente.

Assim:


O jornalista do Público Pedro Crisóstomo andava de olho em cima do Fisco e do governo na sua tarefa de sindicar o poder. De quem? Veremos. Em Abril de 2016 tinha dado conta aos leitores interessados do dinheiro que saíra para offshores no período 2011 e 2014. Ninguém ligou nessa altura na única perspectiva que agora ligam ( incluindo o ignorante destas matérias Pacheco Pereira, no Quadratura de ontem, onde fez tristes figuras sobre o assunto, apesar de esclarecido por Lobo Xavier) e que é a de vituperar os offshores como coisa diabólica do nosso capitalismo incipiente e pobre e de caminho o governo do Passos, único objectivo que interessa a fim de salvar a face desta Geringonça comprometida, no Governo, em trafulhices com sms na CGD.
Topou agora esse jornalista uma discrepância entre números do Fisco desse período e os de agora, de Abril e perguntou ao Fisco a razão. Diz Dinis que "foi na semana passada" que o jornalista do Público "se lembrou" do assunto e da polémica que agora lançou.

Na semana passada estava ao rubro a questão dos sms do Centeno e do Costa e do Marcelo e tutti quanti. Uma semana horribilis.
O jornalista do Público veio deitar água na fervura e desviar as atenções do Público e de todo o público, inventando uma notícia parcialmente falsa e lançando um equívoco que aproveita principalmente... a quem? O manhoso Jorge Coelho que agora vende queijo às dúzias disse ontem no tal Quadratura que nestas coisas não pode haver ingenuidade.

O Dinis do Público que sabe tudo sobre como tudo isto aconteceu escreve esta página vergonhosa em que tenta levar todos por parvos. Como ele?

Entretanto deixaram passar comentários mais alargados à notícia da nomeação do fradeca Louçã e do socialista Murteira Nabo para o Banco de Portugal. Grandes cabeças, estes indivíduos! Merecem todos os cêntimos que vão ganhar. Não havia outros...

O Jornal de Negócios, dirigido por Raul Vaz, o tal que faz tandem na Antena 1 com Ana Sá Lopes e o atrelado Delgado, a propósito do assunto fez jornalismo. Daquele que às vezes sabem fazer e que não se confunde com o do Público actual, cujo director, a continuar  assim, mais dia menos dia acaba a dirigir o Expresso.



quinta-feira, fevereiro 23, 2017

Bem apanhada, esta Ana Sá Lopes...

Daqui, com ligação aqui:

O fisco é um lugar em que qualquer contribuinte banal é sujeito a julgamentos sumários e aprisionamento dos seus bens – agora já não da casa da família, por legislação recentemente aprovada. O fisco trata o contribuinte comum como um potencial criminoso. É verdade que a fuga ao fisco foi um problema histórico nacional e que nos últimos anos a esquema policial introduzido permitiu recuperar muito dinheiro que escapava ao Estado, já que o não pagamento de impostos foi durante muitos anos uma infracção consentida e popular.
O problema é que as mesmas pessoas que aumentaram o rigor e, vá lá, a “perseguição” ao trabalhador normal convivem alegremente com a existência de offshores. Já não falo do caso limite de Sócrates cuja vida financeira – mesmo antes da sua constituição como arguido – já circulava por offshores, perante o contentamento e o comprazimento geral. Se o caso Sócrates é um caso de polícia, o combate do Estado português aos offshores é minimal – aliás, temos cá a zona franca da Madeira para dar como exemplo magnífico. Recentemente, o Estado cedeu mais uma vez aos ricos, retirando da lista de “offshores maus” três zonas livres de impostos.
Dentro da própria União Europeia existem offshores: o que são a Holanda e o Luxemburgo que não paraísos fiscais – é lembrar que todas as empresas do PSI-20 tinham há pouco tempo sedes na Holanda para fugir ao fisco português. O voo de 10 mil milhões que aconteceu nos tempos da troika e que já está sob investigação é mais um episódio da diferença com que, perante o Estado e institui como a União Europeia, são tratados ricos e pobres
.

Esta jornalista Ana Sá Lopes costuma falar em grupo, com um tal Raul Vaz e um tandem Delgado na Antena Um, às sextas à tarde, para dizerem muito mal do Passos e muito bem do Costa. As idiotices proferidas são tantas que desligo passados alguns minutos.

Agora esta mesma Sá Lopes que jornaleira no i, como directora-adjunta, deu um tiro no pé:

Afinal... o jornal i pertence à Newshold, empresa integrada na holding Pineview Overseas com sede no Panamá.

A obscenidade do jornalismo televisivo